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sábado, 29 de outubro de 2011

DEPOIS DAS 1001 COISAS


Volta e meia aparece um 101 ou 1001 vinhos para beber,livros para ler, lugares para fazer amor, discos para ouvir, monumentos para visitar. Daqui a pouco virão os tantos cães para criar, as flores para cheirar, as tinturas de cabelo, os peixes de aquário.

 Na carona, indico, como sugestão, pessoas para não esquecer, pessoas para esquecer, pessoas para conhecer, pessoas para visitar, pessoas para dizer alô, pessoas pra dizer olá, pessoas para se desculpar, pessoas para dizer te amo…Só não vale via email, facebook, orkut, twitter, entre outros. Também não vale em livros. Tem que ser na lata, na cara, no visual!

Esse negócio de coisas para fazer,ver,falar, comer, beber,ouvir e amar antes de morrer parece uma maneira da gente, sem esquecer da finitude, acreditar que assumindo o compromisso de tentar vencer ‘a lista’ estamos mais distantes de morrer. Ou que a Morte, num ato magnânimo, vai nos deixar livres,leves e soltos enquanto estivermos assistindo filmes antigos, ouvindo discos do Frank Sinatra ou bebendo vinhos caríssimos.

Se é assim, ninguém vai completar os 101 ou 1001…itens!

O negócio é próspero para as editoras desse tipo de livro. A série 1001… de uma delas já vendeu mais de 200 mil exemplares no Brasil e uns 5 milhões no mundo. Acredito que no título “1001 maneiras de ganhar muito dinheiro antes de morrer” publicar livros semelhantes seja uma dessas maneiras.

Tem um “1001 Livros Infantis Para Ler Antes de Crescer”. Mas, pensando bem, tem gente que cresceu e que precisava ler pelo menos uns 10% dessa lista.

Certo é que o “antes de morrer” aguça nosso desejo de checar o que já comemos, o que lemos, ouvimos,assistimos e de tentar ampliar essa lista de realizações.Nada contra. Tem alguns títulos que são uma espécie de livro de consulta e até massageiam o ego da gente: esses eu já assisti e fulano morreu sem ver.

Sacanagem? Então, vamos escrever o “1001 mais o que fazer antes de morrer” ?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

AUSÊNCIAS

OUTRAS 'VISITAS'

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O DIA DE SER FELIZ





De repente, ele se lembrou de que estivera naquele mesmo local, na mesma esquina, na mesma praça quarenta e dois anos atrás.

Calção de banho amarelo, corpo magro. Ele, os irmãos e os pais caminhando rumo à praia. Com direito a uma parada em um bar para beber uma fanta uva, recém lançada no mercado.

Mais do que a recordação, o aperto maior no peito foi o de pensar que o tempo passara muito rápido. Que só agora, tantos anos depois, é que ele voltava. Qual a razão, ou as razões, para não ter feito isto antes e mais vezes?

Sentia vergonha de fazer coisas, de vez em quando, a seu favor. De investir mais na realização dos seus sonhos, na satisfação dos seus desejos.

Sempre encontrava um obstáculo, uma justificativa, um alguém ‘querido’ que precisava mais dele, do dele.
Assim, não conseguia perceber o que se ia dele, sem volta. Não enxergava que os outros estão cuidando de si e não se disponibilizam a favor dele.

Suspirou fundo. Reconheceu que carregava a culpa de querer ser feliz. E que nem fanta uva tomava mais.

* Foto arquivo pessoal

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

BICICLETAS




Saber como se faz não é, necessariamente, saber fazer. De vez em quando a gente se esquece disso e arrisca. A chance de não dar certo…é certa!

Sei andar de bicicleta. Melhor, de bike. Bicicleta é palavra tão antiga quanto eu. Aí, resolvi aceitar um convite e pedalar. Mistura de vaidade com amor-próprio e …

…pista estreita dividida com caminhantes (ou caminhadores). Dificuldades de adaptação ergonométrica com o veículo, suas marchas.Marchas?! No meu tempo era só freio. E olhe lá!

Sei andar de bike mas não consigo fazê-lo num espaço tão estreito, cheio de curvas,morrinhos, galhos de árvores, crianças, cães e a minha acompanhante, linda e toda serelepe, rindo da minha incompetência e intranquilidade. Pelo menos, se serve de consolo, alegrava alguém com a idiotice. Parecia que a roda dianteira tinha vida própria e que de uma hora para outra todas as pessoas da cidade resolveram caminhar ou pedalar. Eu era um palhaço equilibrando numa corda bamba, sentado em uma bicicleta dona do seu próprio nariz.

O sinal de alerta veio com um quase atropelamento de uma senhora que exclamou “nossa, que horror”. Algumas centenas de pedaladas depois, encontrei o calcanhar de um senhor e quase  altero a minha agenda de domingo. A dele também.

Parei.Voltei. A pessoa que estava comigo pagou o preço de meia hora para os quase quinze minutos de uso e pânico. Depois só gargalhadas e a gozação dela.

Sei como se anda de bicicleta. Não sei fazer isso mais. Apesar de tentar ao redor de uma lagoa, o esporte não é mais a minha praia.

Infame. O trocadilho.


A fotografia de ilustração está em www. fotonostalgiablog.blogspot.com

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MINHA LADY




Ao meu lado, deitada no seu canto, ela dorme quietinha. Porém, basta um pequeno movimento meu e ela abre os olhos, abana o rabo e aguarda.

Lady é minha companhia de todos os dias, seja aqui na sala de casa, enquanto estou em frente a tela do pc;ou deitada ao lado da minha cama, durante os momentos de leitura ou da exibição de um filme em dvd.

Conheço pessoas apaixonadas com animais, principalmente os cães. Meu pai, Luciana Katahira, Larissa Grau, o Maurício e o Cleber, meus genros. A Kate-Anne, nora, meus filhos, o Peron, Alessandro Cerri, o Umberto com o seu Duque, o João Lucas, Uly Carneiro, Rodrigo Guima. Muita gente que também adora  gente, claro!

Cães são amigos que não se explicam. São e pronto. No domingo, 9 de janeiro de 2011, no jornal Estado de Minas – caderno Feminino&Masculino, Patrícia Espírito Santo escreveu, em sua coluna, sobre seu cão dálmata, o Thor. Um cão que viveu com ela e sua família e que, “quando tinha entre 6 e 7 anos, precisei tomar a difícil decisão de doa-lo a um casal de amigos, pois não era mais possível mantê-lo solto. Ele nunca havia usado coleira e entrou em profunda depressão quando precisei prendê-lo”.

O cão chorou, sentiu a separação, acostumou-se aos novos donos. Conta Patrícia que Thor voltou para a casa dela sete anos depois. Agora, o casal amigo não podia mais ficar com ele: mudaram para um apartamento. “Fui buscá-lo tão ansiosa que mais parecia uma criancinha ganhando aquele que seria o seu primeiro ‘melhor  amigo’. Ele estava velho, já não ouvia direito, comia muito pouco, andava com dificuldade e não latia mais. Mas não importava. Eu o quis de volta, nem que fosse para poder acompanhar a sua velhice e supri-lo de tudo aquilo que necessitasse. Mas o que mais queria era que ele me perdoasse por tê-lo privado de continuar convivendo conosco”.

Coincidentemente, também no domingo, na Revista da Hora, encarte do jornal Agora, Sílvia Correa, jornalista e estudante de Medicina Veterinária, escreveu na sua coluna “Bichos”, o “Pedido dos Animais”.

Diz o texto:

“Se sirvo…
Para aplacar a solidão,
Para que você se sinta importante,quando volta para casa,
Para lamber suas lágrimas,
Para protegê-lo da violência,
Para provocar risadas e diversão com minhas trapalhadas,
Para quebrar o silêncio com o meu canto,
Para acariciá-lo com o meu pelo bonito e macio,
Para carregá-lo em minhas costas,
Para alimentá-lo e enfeitar o cenário com minhas plumas,
Por favor não me maltrate.
Não me abandone.
E não desconte sua tristeza em meu corpo.
Respeite os meus instintos e meus sentimentos.
Sim!Eu tenho sentimentos.
Cuide de mim e dos meus filhos como se fossem seus.
Porque cuido de você e dos seus filhos como se fossem meus.
Seja meu amigo e lhe serei eternamente grato.
E quando eu morrer, chore de saudade e não de arrependimento".

De volta ao texto da Patrícia Espírito Santo:

“Cerca de três meses depois de voltar para casa, ele morreu. Foi-se apagando aos poucos, sob meu olhar atento e o carinho dos que vivem comigo. Agradeci muito por ter tido a oportunidade de aprender, por meio do relacionamento com um animal, que um dos piores sentimentos que podemos desenvolver em relação ao outro é a culpa. Sempre me senti culpada em relação a ele, o que, de certa forma, me corroeu esse tempo todo. Levá-lo para casa e perceber que ele se sentiu bem apesar de todas as suas limitações, abriu caminho para que eu me perdoasse”.

A minha Lady , deitada no seu cantinho, observa o que eu faço. Me observa. Disponível. Feliz. Amiga. Sempre.

Fotografia de acervo

terça-feira, 18 de outubro de 2011

DEPOIS DA AUTORIDADE VEM A AMIZADE




Meu filho caçula agora tem 18 anos. É responsável perante a lei por seus atos. Dirão os mais conservadores que já é um homem. Digo eu que é um ser humano que venceu uma etapa de sua construção e parte para outra. Uma construção que não termina. E para não emperrar no meio do caminho, é preciso que os materiais utilizados nessa interminável obra sejam de ótima qualidade. Que os profissionais envolvidos nos projeto e na execução sejam pessoas sensíveis, também conscientes de que estão sendo construídos e que a vida de cada um é parte da edificação da vida de todos nós.

O mundo se oferece ao meu filho em telas de polegadas diferenciadas, via web, via satélite. São imagens, alternativas, rotas, padrões, transgressões, experiências diversas(curiosas,exóticas,perversas,insanas). Muda-se de idéia, de país, de planeta com um clique, uma tecla.

Chuva de ofertas (sem faltar com o respeito às vítimas das chuvas do céu – que também não tem culpa dos estragos que acontecem aqui em baixo) puxa a tempestade de indecisões e compulsões. Compro ou não compro? Quero ou não quero? Sou ou não sou? E não há clique ou tecla que solucione os impasses.
Recorre ele às redes sociais, troca ideias no orkut, segue e é seguido no twitter. Sente-se amparado por estar no mesmo barco. Navegam ele e os outros, inclusive eu, nessa nau catarineta a singrar bits,bytes,terabytes, cujo navegador não é Jorge de Albuquerque Coelho mas os anseios de cada um dos embarcados.

Não há resposta específica para nada. Agora são múltiplas opções, infinitas alternativas. O espelho não é para Narciso. O espelho não reflete, suga.

Doer-se com este momento da sua construção e da minha, é lançar mão de colaborarmos um com o outro na obra de cada um. Talvez o meu inacabado acabe antes do dele. Talvez seja o contrário. Talvez os nossos inacabados acabem juntos. Não é o mais relevante.

Bom demais é ver que aquela criaturinha que corria pelada pela sala em direção ao banho gritando paê, paê me espera na porta, me abraça, me beija e ouve com atenção, a única coisa que posso dizer-lhe, agora: meu filho, você tem dezoito anos. A minha autoridade termina aqui e deve ser trocada pela amizade. Se essa transição se realizar orientada pelo amor com que a autoridade foi aplicada, saberemos respeitar a autoridade de cada um.

Isto é um clique, um toque da vida nestas máquinas instáveis a quem chamamos de nós.

* A fotografia de ilustração encontra-se em www.encontrodentrodemim.blogspot.com

sábado, 15 de outubro de 2011

A CÚMPLICE COMPANHIA






O que nos leva a escolher pessoas para nos acompanhar pelos caminhos que imaginamos iremos trilhar por um tanto de anos? Um tanto que, ao final, não será o bastante, e que nos tomarão, na maioria das vezes, sem aviso.

De que esse acompanhante nos nutre? Acredito que não somos loucos para escolher parceiros de jornada que sejam absolutamente distantes dos nossos sonhos de viagem. Mas também não queremos aquelas vaquinhas de presépio que se movem de acordo com a nossa vontade.

Acredito que acompanhar é um jogo de partilha, de pontos de equilíbrios distintos e cambiáveis. Um jogo que não é competição. Antes, uma troca. Pois viver é uma constante relação de trocas. Uma permuta de sentidos. A vida são percepções. Trocar sentidos é como um mágico e seu público. Ele faz o truque, nós acreditamos que é possível. Viver é um truque de possíveis.

A nossa companhia deve ser cúmplice dos nossos truques. Seu olhar nos incita a sermos mais brilhantes na ilusão que construímos. Seu sorriso é a confirmação de que somos ilusionistas de nós mesmos. Tudo se resume ao conteúdo de uma cartola. Ou de um beijo.

Companhias que vão e vem desarticulam esta harmonia regente da magia que é respirar fundo e segurar firme a mão que nos guiará. Não se consegue caminhar com o vai e o vem, esse último às vezes muito lento, de um timoneiro deslumbrado com o azul do mar e sem mirar as estrelas.

Acompanhantes são mais que amigos. São extensões de nós. E nós, complemento deles.
Acompanhantes se amam em cada passo que dão juntos. Mesmo que eventualmente, eu disse eventualmente, se desviem um pouco.

O segredo da vida é de revelação imediata. Acompanhantes são aqueles que estão conosco agora. Nunca amanhã.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

NÓS, OS ESPANTALHOS




Você sofre do mal do Espantalho? Não faz ideia do que estou perguntando? Pois é, então assista o filmeThe Doctor – não está em cartaz, só em locadora. Não é  um filme excepcional, é honesto. Não sei se este ‘mal’ já faz parte da literatura médica. Mas vamos à nossa anamnésia, sem trocadilho.

Braços levantados não significam braços abertos. Podem significar um pedido de distância, um não ter mais o que fazer, um está tudo bem, um não preciso de ajuda, um olha o que você está fazendo(ou fez), um não posso ajudar(ou não quero).

Braços abertos acolhem e pedem acolhida. Reconhecem as competências e deficiências do outro. Não distinguem, agrupam. Não afastam, atraem. Não reclamam, confessam. Não julgam, refletem. Não definem, opinam. Não esperam, alcançam. Não santificam, abençoam. Não morrem, infinitam (existe essa expressão?).

Vivemos de braços levantados, armados contra o outro, prontos para a guerra. Certos de que o princípio do mundo está em nós e tudo o mais é pura periferia. Queremos que os que vem até nós venham do nosso jeito. Braços levantados , apesar de parecerem com aquelas garras que pegam ferro-velho , selecionam suas sucatas. É, sucatas. Para braços levantados nada é necessário.

Ajustados no centro de nossas próprias ilhas, recitamos as nossas lamúrias do dia e não dormimos à noite, temerosos de que os morcegos esbarrem em nós. Fincados em terra infértil não frutificamos. E cada fiapo de palha que cai da gente não conseguirá adubar o solo e nem servirá para qualquer ninho. Ele cai sem amor.

A fotografia está em www. gazetadopovo.com.br

sábado, 8 de outubro de 2011

AMOR E ADEREÇOS

AS ESCOLHAS QUE NÃO FIZEMOS




O libanês Gibran Khalil Gibran escreve que “Vossos filhos não são vossos filhos./ São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma./Vêm através de vós, mas não de vós./E, embora vivam convosco, a vós não pertencem”. Os filhos – nossos biológicos e por afeição ( quando esta permeia a relação) são territórios desconhecidos. Fronteiras atrás de fronteiras. Nós não nos escolhemos.

As nossas “crianças para sempre” crescem sob a regência do mundo. Ou encruam também sob a mesma batuta. A nós, pais, cabe prestar atenção a esses ‘concertos’ e promover ou facilitar os ‘consertos’ necessários. Aquele que cresce precisa saber lidar com isso. O que fica mirradinho, encolhido do sopro da vida, requer alguns empurrões, sinais indicativos de possibilidades de ir. Se for preciso, levamos até a porta de entrada da ida.

De certa maneira, enquanto filhos, temos alguma insatisfação com nossos pais. Seja pelo caráter,seja pelo comportamento. Seja pelos excessos, seja pela escassez. Pelo sucesso. Pelo insucesso.

O mundo ora do mérito, ora hedonista, ora as duas coisas cobra uma posição de destaque. Enquadra todos nós em uma geração x,y,w,z…E exibe pais e filhos lindos, modernos e poderosos naquela convivência que “não tem preço”.
Pensamos que “as crianças” devam ser mais do que somos – ou fomos – e não sofram nada. Que  podem até causar sofrimento em terceiros mas a modernidade manda relevar esse “deslize”.

Pais e filhos são estranhos que resolvem conhecer uns aos outros. E serão desconhecidos até o fim de suas vidas. Na perspectiva de pai, acredito que os filhos devam se lembrar também de que não somos os “super”. E se não se lembram, podemos incluir o tema na pauta de nossos diálogos – aliás, você dialoga com seus filhos ou apenas faz a sua entrevista rotineira do tudo bem?como vão as coisas?. Nossos filhos precisam saber que sofremos , temos ansiedades, angústias, frustrações. Que também queremos carinho, afeição, colo, respeito. Respeito.

Pais e filhos precisam ser uma caminhada de mútua compreensão, de solidariedade gratuita, espontânea. Nada e ninguém são propriedades de alguém. Mas é preciso dividir a ‘posse’ desta ‘certeza’. Até que ela não seja mais.

A ilustração está em www. nunes.blog.com

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O BRINDE QUE EU NÃO FIZ




Uma pessoa querida, com quem trabalhei lá pelos anos 1997, 98, a Chris Cabral, publicou uma fotografia de uma garrafa de Brunello de Montalcino, um tinto da região da Toscana, produzido em Montalcino, província de Siena, Itália.

Este vinho foi o pagamento que Giafranco Cerri solicitou pela cessão de sua imagem – e um pequeno,exuberante e mágico momento de sua arte como escultor – para um vídeo sobre o cavalo Mangalarga Marchador. A cena era Giafranco esculpindo do barro um esguio,forte e quase alado equino.

Dividiram comigo este instante de encantamento o Alessandro Cerri, fotógrafo e proprietário da produtora, o Studio Cerri; Marco Melo, diretor de fotografia e José Ferraz, o veterinário mais videomaker que eu conheço. Figuraça!

Com o privilégio não só de ser o roteirista e o diretor da produção, fui um dos câmeras. O outro, foi o Marco. Cada movimento, cada olhar do artista sugeria a regência de uma sonata, os momentos mais introspectivos de Debussy. Carne e barro fundidos pela natureza comum de vir do pó e para ele voltar. Nessa transitoriedade as mãos e a argila conversavam suas alternativas, conspiravam os segredos de uma geometria intuitiva. Moldavam-se o coração,a vida, o animal.

Giafranco ria, ironizava, brincava de ser um deus mas sabedor do limite de sua criação. Bastava que fosse o que precisava ser. Com a mesma criatividade com que confeccionava seus mosaicos – ele é um dos mais renomados mosaicistas do Brasil(sem deixar de lembrar Alfredo Mucci) – Cerri apanhava fragmentos no ar, dispostos pela magia que só os grandes bruxos conhecem. E guardam para si.

Essa magia o arrebatou daqui em 2008. Tenho, anotado por ele num pedaço de folha de caderno, o número de seu telefone. Pediu-me para ligar e fazer uma visita para ele. Para conversar e tomar uma taça de seu tinto, seu Brunello.
Já não bebia naquela época. O álcool, sabedor da minha doença, estava tomando conta de mim. Uma pessoa muito amada foi mais forte do que ele e me vigia para evitar uma recaída. Mas não comentei isso com Giafranco. Apenas não liguei para ele e não levei uma garrafa do vinho pretendido.

Perdi uma oportunidade rara de ouvir o respirar de um artista, um deus bruxo. Talvez ele me ensinasse alguns de seus feitiços, o de viver em arte. Podia brindar com um suco, um refrigerante. Pessoas despojadas de vaidade não se importam com heresias. Acreditei que teria tempo para isso.Giafranco Cerri tinha outros brindes agendados.

Salute, mago!

Fotografia de Chris Cabral

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