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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

CINZAS

CINZAS *

Diz o samba: “Quando eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma fita amarela, gravada com o nome dela”. Noel Rosa , em vida, compôs um testamento ou lavrou um samba. Bastava simplicidade. “Se existe alma/Se há outra encarnação/Eu queria que a mulata/Sapateasse no meu caixão/Não quero flores/Nem coroa com espinho/Só quero choro de flauta/Violão e cavaquinho”

Agora não basta. Agora tem luxo e riqueza. A morte de alguém só tem importância para quem ainda continua por aqui. Isso enquanto ninguém vem mostrar que a coisa continua em algum outro lado.

O Alessandro, amigo meu, diz que velório é uma espécie de orkut mórbido. As pessoas se encontram, descobrem que os outros estão vivos e todos ficam trocando informações sobre as últimas doenças, cirurgias, mortes de parentes, acidentes.

Agora o morto tem carro de luxo, caixão de primeira. Primeira primeira. E os que querem pranteá-lo – de verdade, por remorso, ou puro fingimento só para marcar presença – têm conforto , tecnologia, um salgadinho e um destilado para atravessar num clima mais familiar e aconchegante as últimas horas ao lado do corpo gelado e cheio de enfeites.

Como não vou estar presente ao meu velório, prefiro que amigos e parentes sejam rápidos e objetivos. Nada de muita  cerimônia e nem de um ficar olhando se o outro veio ou não Podem até chorar que é bom. Alivia.

É só mandar cremar e jogar minhas cinzas no mar. O pote também. Nada de derramar o pozinho dos meus restos dentro do vaso da privada e dar descarga. É simplicidade demais para este vaidoso futuro defunto.

* Fotografia de acervo

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

"SÓ,SOZINHO"

“SÓ, SOZINHO”

O despertador do celular toca. Zeca Baleiro canta que  ”estava só, sozinho”. Manhã de outono, manhã de trabalho, muitas coisas para fazer. Lá fora, sol e nuvens brincam ao sabor de um vento frio. Mas uns minutinhos para mais debaixo do cobertor não vai mudar a ordem natural da vida.

Adiantar ou atrasar o nosso dia de viver? Não sei se a gente para e pensa e decide isto. A gente repete isto. Levantei cedo, estou atrasado, vou perder alguma coisa, vou esperar demais outra. Tantas são as vezes que pulamos da cama por obrigação, por compromissos, sem  a chance de virarmos para o canto, suspirarmos e tirar mais um sono. É comum a gente deixar a gente “só, sozinho”.
No outono, natureza na sua instabilidade, a sensação de recolhimento bate à porta. Prestamos a atenção em coisas banais. O vizinho que se senta ao sol, os meninos e a algazarra no caminho da escola, o som das turbinas de um avião, o rádio ligado em uma casa distante, pássaros, o tic-tac do relógio, os livros na estante, os porta-retratos e as pessoas ou lugares emoldurados.

Quem não atenta para isto, sai para o mundo “mais sem graça que a top modelna passarela”, num desfile anônimo, vestido de rotina e daquela falsa certeza de que vai e volta.

Vale sempre uma transgressão nesta nossa ordem geral. Os outonos são muito bons para abrirmos as janelas da casa,da alma. Ainda que aquelas folhas românticas que os livros contam que caem das árvores não sejam mais observadas, elas caem de verdade. É que a gente, “só, sozinho” caminha sem olhar. Por obrigação, sem prazer. Quem sabe uma viradinha para o canto, cobertor puxado para cobrir a cabeça e mais uns trinta minutos não ajudam a melhorar a nossa performance.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

JANELAS

JANELAS *
Cabeça encostada no vidro da janela do ônibus, a moça dorme. Vem da aula, quase meia-noite. Ônibus lotado e ela, a pasta, a bolsa, a vontade de chegar rápido em casa, comer alguma coisa, tocar o sono profundo da filhinha e comentar o dia com a mãe. Dia que daqui a pouco recomeça. Tem que sair cedo, cedo mesmo. E enfrentar o estresse do trabalho. Correr para a faculdade. Correr para pegar o ônibus…

Ela dorme. Talvez sonhe. Com uma fada encantada que transforme o ônibus em carruagem, o motorista num príncipe, os passageiros em súditos, a casa dela num castelo.

Talvez pense. Na quantidade de trabalhos escolares que precisa fazer, nas provas que estão chegando, na dificuldade com a tal da aula de Economia, na mensalidade que vai vencer, na vontade de ter alguém para olhar e que a olhe no intervalo, que esteja na cadeira ao seu lado, dentro da sala.

Talvez imagine o seu primeiro concerto como violoncelista. Na primeira fila, Mstislav Rostropovich aplaude de pé. Grita “bravo, bravo” em russo e depois leva flores para ela, no camarim.

Talvez pretenda seguir a carreira de jornalista. Uma repórter bem sucedida, âncora de um telejornal, articulista de um periódico, editora de notícias em uma emissora de rádio.

Cabeça encostada no vidro da janela. Quem está dentro do veículo vê uma menina de cabelo curto, estilo joãozinho, pernas esticadas, as botas parecendo coturnos tingindo a cena com ares punk , um piercing no nariz. Mas aquela expressão bondosa, suave e tranquila…É só style o jeitinho punk.

Do lado de fora, no egoísmo e medo das ruas , vê-se um rosto. Carne e vidro. Cansaço e amparo. Frágeis, os dois.

Por uma dessas janelas do mundo passou um ônibus cheio de gente. E uma, em especial, quase se tornou uma violoncelista famosa.

Fotografia de acervo

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

FELICIDADE

FELICIDADE *

Ela chega do trabalho, de 7 às 13 em uma escola infantil, come alguma coisinha. Os olhos brilham , o coração acelerado, sintomas de uma juventude presente, instigante. Uma liberdade que ronda, ri para ela.

Sobre a cama, a bolsa de viagem. Tudo praticamente arrumado, organizado dentro daquela ideia de que mineiro não perde o trem. Não perde o trem, nem a oportunidade de viver um grande amor.

Feliz da vida – e com a vida – ela, em algumas horas, estará dentro de um ônibus. Quando amanhecer o sábado, na plataforma de desembarque o seu namorado, o homem que ama, vai tomá-la nos braços, deseja-lhe um bom dia. Seguirão pelo encantado do amor.

Dois dias que serão vividos com alegria, paixão, equilíbrio. Sem correrias, sem ansiedades, se possível nenhuma contrariedade, nenhum senão. Os dois criaram os filhos, amaram outras pessoas. Agora cuidam de criar um ao outro. De olhar para a frente. Uma outra etapa da vida começa, depois dos cinquenta anos.

Uma última conferência no vestuário de mulher amada, uma lingerie nova, um livro para uma leitura inconstante durante a viagem, itens de beleza. A seguir, uma inspeção na casa, recomendações de mãe, por escrito, para o filho que está no trabalho e de quem não poderá se despedir antes de viajar. Ao final do bilhete, as bênçãos. Essas de um poder imensurável.

O celular toca. É ele confirmando alguns compromissos, planos, passeios. Ela respira o ar da tranquilidade. Ajeita os cabelos, cada vez mais bem cuidados, olha-se no espelho e vê um rosto maduro, lindo e pronto para se misturar às paisagens da paixão.

Então, viver a plenitude da vida lhe é possível. Para o seu companheiro também. Os dois se gostam. Os dois se amam. E isso é bom.

* Fotografia de acervo

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

GOOD TIMES

GOOD TIMES *

Passo pela avenida do Contorno. Barulho de demolição. O mercado distrital da Barroca foi abaixo. Máquinas e homens vão mudando o cenário do local. Até o momento em que passo em frente à obra, as mangueiras frondosas estão preservadas. O terreno ao lado, onde funcionou a delegacia de furto de veículos também vive a movimentação de máquinas e homens. É o progresso, é a expansão dos negócios, é a concretagem do ser humano.

Lá nos meus tempos de peace and love , embalado pela frenética guitarra de James Marshall  “Jimi”  Hendrix, entre outras pearls do rock , entre um tapinha e outro num “baurete” de excelente “manga rosa” acochado em fina seda de qualidade, vendia meu artesanato no estacionamento do distrital.

Pulseiras de miçangas, peças em vidro, jogos de copos, artesanato em couro. Arte e aquela sensação de que o mundo de dividia em dois: o meu e dos meus amigos e o resto.

Durante as horas que passávamos ali, vendendo ou não, nos divertíamos com planos de viajar para a Europa, comprar todos os discos de um ídolo, assistir shows nos grandes centros da música internacional, reconhecer Caetano e Chico, Vandré e Mutantes. Com reverências ao Terço, Sá e Guarabira, Zé Rodrix e segue a caravana.

Mercadoria estendida, um freguês de vez em quando, muitos curiosos e muito olhar de indiferença e rejeição, ficávamos a refletir sobre as veleidades da vida. Tudo em múltiplas cores. A vida era uma festa.
Onde expúnhamos nossa arte agora se vê escombros. Aquele tempo de liberdade soterrado. Me senti adulto demais. Quase fotografei com o celular. Mas aí seria curva-me demais. Afinal de contas, e a minha rebeldia jiminiana?

A ilustração está em www. infinitadiversidade.blogspot.com

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

VISÕES

VISÕES 

Difícil acordar, mas precisa. Dizem que “Deus ajuda quem cedo madruga”. O jovem não é de fazer isso com muita disposição. Nada contra a ajuda de Deus. Todo auxílio é sempre bem-vindo. Do ‘grande Chefe’, então, nem se fala!

Levanta mais tarde uma vez que deita tarde. Trabalha das 15 até 21 horas. Chega em casa aí pelas 23. Banho, um lanche, televisão, computador. Deita duas, três horas depois.

Então, Deus coopera também com aqueles que não ‘madrugam’.

De pé, corpo pedindo cama, uns minutinhos mais, o rapaz espreguiça, boceja , confere a hora, vai para o banheiro. Vê a imagem de Jesus, o sagrado coração de Jesus batendo asas. Chove e…A IMAGEM DE JESUS TÁ BATENDO ASAS?!

Nossa, e agora? Esfrega os olhos, o coração corre de um lado para o outro e não consegue fugir. Ninguém em casa e a figura  de gesso parece que vai ‘voar’!

Tudo congela , tudo é mistura de pânico e mística. Será um milagre? A mãe dele é uma pessoa religiosa. Não frequenta muito a igreja mas  faz suas orações, é caridosa, carinhosa. Tem fé. Fé raciocinada,  é claro. E tem as imagens dos santos de sua devoção expostas numa espécie de altar pessoal, ali na sala: São Judas, Nossa Senhora Aparecida, São Geraldo, Jesus. Fé raciocinada e… adoração. Ninguém é de ferro.

As asas movem-se lentamente às costas do ‘filho de Deus’ e, por tabela, irmão dele. Pelo jeito, Jesus não está com muita pressa. Parece que faz um aquecimento prévio, há tempos que está ali, paradinho, só espiando os acontecimentos e garantindo a tranquilidade geral da casa e dos parentes. Qualquer movimento brusco, com a musculatura fria pode trazer problemas. Mesmo para santidades.

Sem um ‘milagre’ adicional, apenas as asas indo e vindo, quase uma massagem nos ombros daquele que disse para amarmos uns aos outros, o assustado espectador percebeu que a cor delas era escura, acinzentada. Não teriam que ser brancas, as asas Dele? Se os anjos, arcanjos e querubins tinham asas branquíssimas, Ele é que não haveria de ter?!

O jeitio era espiar mais de perto. Mais perto. Só mais um pouquinho…  um pouquinho…um tiquinho mais…e descobrir que uma mariposa pousara na figura de gesso e, calmamente, brincava de reger suas ponderações. Ou conversava , ao pé do ouvido, questões suas, muito íntimas, com Ele.

Deus, quando não ajuda, brinca. Engraçadinho!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O QUE EU LI E O QUE ASSISTI EM 2011

O QUE EU LI EM 2011

Os trabalhadores do mar (Victor Hugo)
Vale Tudo (Nelson Motta)
Conversa com o tempo(Zuenir,Verissimo,Dapieve)
Moby Dick(Herman Melville)
Luiz Costa Lima – Uma obra em questão
Porque não desisto(Juca Kfouri)
Copenhague antes e depois(Sérgio Abranches)
Outra volta do parafuso(Henry James)
O assassinato e outras histórias(Anton Tchekhov)
O homem que queria ser rei e outras histórias(Rudyard Kipling)
A máquina(Adriana Falcão)
Nossas câmeras são seus olhos(Fernando Barbosa Lima)
Em harmonia com a natureza
Num piscar de olhos
Claraboia(José Saramago)
O pequeno príncipe (Antoine de Saint-Exupéry)
A bagagem do viajante(José Saramago)

O QUE EU ASSISTI EM 2011

KC and Sunshine Band
Queen live in Japan 1985
The doctor
O sorriso de Mona Lisa
Interiores
A outra
Retrato de família
Aprendendo a mentir
Além da Vida
Se meu apartamento falasse
Corpo fechado
O senhor das armas
A espera de um milagre
Perdidos na noite
Brilho eterno de uma mente sem lembrança
Amor para não esquecer
Os vigaristas
Matrix
Rede Social
Apocalipse now
Cidade dos Anjos
Lawrence das Arábias
Matrix reloaded
Matrix revolutions
Ran
Cartas para Julieta
The Blues 1,2,3,4,5,6,e 7
Sin City
O cisne negro
O exército Brancaleone
Feliz natal
Ladrões
A minha versão do amor
Toy Story 3
Árido Movie
Julieta dos espíritos
Fitzcarraldo
Morangos silvestres
Os girassóis da Rússia
Vicky,Cristina,Barcelona
Asas do desejo
A vida de Brian
Hiroshima, meu amor
Como enlouquecer o seu chefe
Encouraçado Potekim
Os incompreendidos
Rocco e seus irmãos
Cary Grant
Roger Moore
Michael Cain
Mae West



BAIXARIA NO CAFOFO

BAIXARIA NO CAFOFO *

Briga de marido e mulher não se mete a colher,  determina o dito popular. Salvo quando é um agredindo o outro. Briga de casal, intrometido é que leva pau(no sentido de pancada, tudo bem?).

Brigar, em qualquer circunstância, – as afetivas, então -  sempre gera um desgaste, um remorso, arrependimento, goros federais de chapar até a geração seguinte. Sem falar nos me perdoa, não faço mais, foi um desatino, perdi a razão, mas você também provoca, a culpa é sua, você não devia ter feito isso. E paramos por aqui para não dar briga, outra vez.

Evaldo Gouveia e Jair Amorim, filósofos do comum, diplomados na academia do assim é que é, compuseram um tratado sobre esses entreveros conjugais, maritais, eventuais, de ficantes e ficados , de amantes e abandonados.

Bolero de qualidade, isca de bebida forte e lágrimas em abundância, “Brigas” tem um intérprete fenomenal: Altemar Dutra. Duvido que alguém, depois de ouvir, seja capaz de uma baixaria no cafofo. Dessas que alegram a vizinhança e deixam o casal em desavença na maior saia justa no dia seguinte.
“Veja só/Que tolice nós dois/Brigarmos tanto assim/Se depois/Vamos nós a sorrir/Trocar de bem no fim/Para que maltratarmos o amor/O amor não se maltrata não/Para que se essa gente o que quer/É ver nossa separação”.

Se vai ficar de bem, a seguir; se é aquela corja de invejosos que está azucrinando o love , por qual razão o confronto, o machucadinho no amor?

“Brigo eu/Você briga também/Por coisas tão banais/E o amor/Em momentos assim/Morre um pouquinho mais”.

Morre, morre mesmo! A gente perde o respeito pelo outro. Admite que é vítima e vítima e vítima e que se dane quem vai assumir a paternidade do estrago: o ‘eu’ é sempre o prejudicado.

“E ao morrer então é que se vê/Que quem morreu fui eu e foi você//Pois sem amor/Estamos sós/Morremos nós”.

‘Castigo’ é outra canção de deixar no castigo qualquer desalmado ou briguento de ocasião. A autoria é de Dolores Duran. Além dela, o grande intérprete dessa composição é Jamelão. Vozeirão de tremer qualquer pecador:

“A gente briga, diz tanta coisa
que não quer dizer
briga pensando que não vai sofrer
que não faz mal se tudo terminar
Um belo dia a gente entende
que ficou sozinha
vem a vontade de chorar baixinho
vem o desejo triste de voltar
você se lembra
foi isso mesmo que se deu comigo
eu tive orgulho e tive por castigo
a vida inteira pra me arrepender
se eu soubesse naquele dia
o que sei agora
eu não seria este ser que chora
eu não teria perdido você”.

Pois é, tem muito cafofo por aí precisando melhorar a discoteca e o jeito de  lidar com o amor de um e de outro.Estamos ouvindo e repetindo muito esse “um tapinha não dói”.

Fotografia de acervo

sábado, 7 de janeiro de 2012

VIVENDO UM GRANDE AMOR

VIVENDO UM GRANDE AMOR *

Amanheceu ansioso,cumpriu suas tarefas da manhã, fez algumas compras e voltou para casa. Agora era esperar a chegada da namorada.

Quatro da tarde, dentro do combinado, ela chegou linda e sorridente. Aquela alegria era uma espécie de raio cósmico que bate no peito do sujeito e o deixa abestalhado para o resto do dia, da noite, da vida.Conversam, se abraçam, trocam beijos, juras e notícias.

Início da noite, os dois encostados na cama, um filme para assistir. Depois uma lasanha, talvez um chocolate. Ela gosta de comédias românticas, nada muito tenso pois é hora de namorar, de amar. Nada de discutir intenções de diretores, ideologias cinematográficas. Apenas ver um filme, rir, chorar, emoção. As coisas principais de uma boa história.

Ele sugere ‘Se meu apartamento falasse’, de 1960, ganhador de 5 Oscar, incluindo o de “Melhor Filme”.  Ela ainda não assistiu e o namorado garante que a namorada vai gostar. Segue o filme. Jack Lemmon, Shirley MacLaine e Fred MacMurray , maravilhosos – e maravilhosamente dirigidos por Billy Wilder que também assina o roteiro junto com I.A.L Diamond .

Em uma das cenas, Lemmon prepara um espaguete para MacLaine e usa uma raquete de tênis para escorrer a massa. Mais adiante, sozinho, sem comer o macarrão ao lado  da mulher que ele ama – ela é levada do apartamento dele pelo cunhado – Jack pega a raquete e tira um fio de espaguete que ficou preso na tela da raquete. Segura-o. Suspira e o enrola no dedo. O tênue cordão do amor não trazia nada na outra ponta.

Ele tomou a mão dela. Colocou sobre seu peito. Disfarçou uma lágrima e suspirou também. Naquele instante, ainda que ocorresse mais adiante uma reviravolta na história, ele se sentiu o homem mais feliz do mundo.Desses hoje não tão comuns homens que sabem que amam no enredo do amor. E que isto é o melhor de todos os filmes.

* A fotografia de ilustração está em www. oesquema.com.br

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

UM FILME

UM FILME *

Meu pai, filho único, ficou órfão de mãe aos 9 anos. Meu avô vendeu a propriedade onde moravam e vieram os dois para a cidade, Piumhi, oeste/sudoeste de Minas.

Mais velho, já no início da juventude, dono de uma excelente caligrafia, arranjou emprego de cartazista no cine  Cassini . Preparava a tinta e escrevia nas folhas de papel ou nas tabuletas de latão os tradicionais ‘Em breve’, ‘Sexta-Feira’ , ‘Matinê’ e o nome do filme, o horário. Assistiu ‘Amar foi minha ruína’, ‘Gunga Din’, ‘Sete noivas para sete irmãos’, ‘A batalha de Waterloo’, filmes com Boris Karloff.

Daí veio para Belo Horizonte para ocupar a função de ascensorista no prédio onde era o cine Brasil, na Praça 7, e que também era o escritório da empresa de Cinemas e Teatros de Belo Horizonte.
Assim que as coisas se ajeitaram, ele trouxe meu avô para ser faxineiro no cine Brasil. Foi subindo e descendo naquele elevador de porta sanfonada que ele conheceu minha mãe. A irmã dele era secretária do doutor Hilton Rocha.

Ainda menino, lá pelos 6, 7 anos, passei a frequentar os cinemas do centro da cidade. Papai, agora funcionário do Banco da Lavoura  – depois Real e agora Santander – na seção de Ordem de Pagamento, continuou trabalhando para a Cinemas e Teatros. Era gerente do cine Independência e cobria a folga do gerente do cine Horto. Meu avô, de faxineiro também alcançou o posto de gerente nos cinemas do centro da cidade: Brasil, Guarani, Tupis(depois Jacques) e Tamoio. Querido na empresa, dormia num quartinho ao lado do cine Guarani.

Assisti Tarzan, com o John Weissmuller e a Maureen O’Sullivan, A noviça rebelde, Sissi, O Dólar Furado, O corcunda de Notre Dame ,versão de 1956, com o Antonhy Quinn e a Gina Lollobrigida…Aos domingos levava a molecada da vizinhança para a matinê no Independência.

Aprendi a colocar e trocar filme nos projetores, colecionava pedaços de películas que arrebentavam durante o manuseio ou na projeção, bancava o porteiro recebendo os ingressos.
O cine Guarani agora é o Museu Inimá de Paula e não sei o que fizeram com o quartinho do meu avô. O elevador onde meu pai trabalhou, segundo li, vai ser transformado em uma cabine telefônica, tão logo termine a reforma do cine Brasil.

Meu avô gerencia cinemas no céu. Meu pai, sempre que nos encontramos,  troca saudades comigo.

Fotografia de acervo

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O TEMPO

A percepção sensível com retoques de magia.

PASSAGENS

 

CARA DE BOBO ALEGRE

CARA DE BOBO ALEGRE*

Intervalo de jogo de futebol transmitido pela televisão tem sempre aquele papo furado do locutor com o comentarista, com o repórter de campo, os melhores (nem sempre) momentos do primeiro tempo, os comerciais, as chamadas da programação e você. É, você que vai ao campo torcer para o  seu time e gritar para o centroavante furar o seu…gol: “fura o meu, fura o meu”!

Ao bel prazer dos cinegrafistas e do diretor de tv ou o profissional da mesa de corte, closes, planos médios, cenas de conversas, lanches, e outras ações são enquadradas, focadas e levadas ao ar como parte do entretenimento antes do reinício da partida.

A preferência é por mulheres bonitas – de acordo com o crivo estético de cada câmera e o ok da direção – desacompanhadas. Crianças também têm sua vez. Depois são os casais, a família, um pequeno grupo. A seguir, os exóticos, os tarados por futebol e os bobinhos de ocasião. Todo mundo na lente, todo o privado na zoom. Mas, se o incauto personagem percebe-se captado e resolve acenar, cutucar o amigo, a amiga,  para “entrar no quadro”; se o pai insiste para que o filhinho mande um beijo para a mãe materializada naquele equipamento, ‘carregada nos ombros’ do cinegrafista, imediatamente a cena sai do ar. Só a televisão pode gozar esse prazer de fazer uso da imagem do cidadão.

Esse voyeurismo unilateral, sem ficar pelado para eles, os profissionais da transmissão, nem para nós, que assistimos em casa, cria uma interrogativa: é de direito o uso dessas imagens? Se os jogadores em campo recebem pelas suas respectivas (às vezes tão ruins quanto o futebol que praticam), que tal o camarada que pagou ingresso, o lanche, levou a família receber um capilé por seu momento de ‘bobo alegre’ ? E as mulheres, vaidosas torcedoras? O que têm de diferente das outras mulheres, muitas nem tão ‘bonitas assim’ que ganham uma fortuna na telinha? E quando essas imagens, quaisquer que sejam, são melhores do que os noventa minutos de uma pelada com perebas bem remunerados?

Tem ainda o constrangimento. Dedo no nariz, bocejos, coçadinhas, pernas abertas, cruzadas, descruzadas, meninos birrentos, desdentados, sujeito chapado com vontade de encarar a torcida adversária… Sem falar da situação de estar com a pessoa errada, no lugar errado! E da gozação que alguns locutores costumam fazer. De graça!

Em tempo de briga pelo direito de transmitir jogos e de negociações para ser transmitido, será que o tal código de defesa do torcedor, ou que nome tem, prevê alguma coisa? Ou será que no circo geral, só a televisão e os atletas têm direitos? Só eles são protagonistas? Só eles são dignos?

Fotografia de acervo

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