Domingo de sol, céu azul, almoço de frango e macarrão, ou de churrasco, ou de restaurante ou de boca livre na casa de parente ou de amigos, ou sozinho mesmo. Assim seja!
Pois vai pelo domingo, num carrinho, um casal. Não significa que exista uma relação afetiva, familiar ou de amizade entre os dois. Mas vamos tomar o viés romântico para amenizar os impactos da segunda-feira e – entre outras coisas – os pênaltis perdidos na Copa América.
De dentro do ônibus, eu vejo um casal em trajes de quem vai para um encontro mais informal. Casual básico, eu acho que assim que chamam o figurino dos dois. Camiseta, bermuda , tênis e sandália. A moça leva nas mãos, quase na altura do queixo, uma forma de vidro – que no meu tempo a gente chamava de “pirex” e que não tinha nada a ver com “pirado”- contendo, penso eu, um pudim, um manjar. Pode ser , ao contrário, um suflê, um gratinado ao molho branco.
A moça transporta a vasilha com tamanho cuidado que seus bracinhos magros se transformam nos mais poderosos e seguros amortecedores do planeta. Muito mais eficazes que os dos aviões, caminhões e modernos automóveis. Evidente que o motorista dirige com certo cuidado para não exigir um esforço maior daquele par de amortecedores de carne e osso.
A estabilidade da iguaria é uma questão de vida ou morte. Me lembro de que minha mãe comentava sobre certas comidas que não podiam “ tremer” – ou algo parecido – senão “desandavam”, “perdiam o ponto”. Não sei se este é o caso da comida que a moça branquinha transporta quase rente aos olhos.
Mais do que um acepipe principesco, como diz Mário de Alencar no seu “Alguns Escritos”, a moça carrega o destino do seu domingo. E, por tabela, o destino do domingo daquele que dirige o automóvel. Se o prato não entornar, chegar intacto ao seu destino, o domingo, parece, será comemorado com alegria e, cá entre nós, com uma pontinha de vaidade. Quem não quer elogios sobre seus dotes culinários. O companheiro dela, aproveitando a carona na festa, vai dizer que veio dirigindo com todo o cuidado. E ela, como toda mulher que se preza, vai retrucar: “Aí dele se derramasse um pouquinho”!
Se derramar, o domingo – e o colo, as pernas, a bermuda, as sandálias, os pés, o piso do carro vão se banhar daquela coisa branca que perderá sua condição de ‘principesca’ para se transformar numa meleca adocicada ou gordurenta. E vai sobrar para o motorista. Que vai retrucar. E ela vai devolver. Se não parar por aí, vão se digladiar com molho – ou creme – e pedaços de vidro. Vão ficar “pirex”, os dois.
O carro adianta-se. Entra na via preferencial do destino dele e de seus ocupantes. Eu, com meu destino, dentro do destino do ônibus e dos demais ocupantes, daqui a pouco esquentarei um molho e comerei com um espaguete cozido na véspera. Com direito a um copo de suco de uva e um pedaço de chocolate de sobremesa.
Cada um carrega nas mãos o prato do dia de sua vida. Num banquete, agendado por um anfitrião ao qual não somos apresentados, encontraremos outras pessoas, cada uma com seu prato especial. Nos reuniremos e a ceia deverá ser repleta de alegria e cumplicidade.
Banquetes mais particulares, aqueles em que eu levo o meu prato e você leva o seu e nos encontramos em um lugar previamente marcado, são mais complexos, mesmo com o número reduzido de convidados. Talvez pelo fato de que tememos que derrame alguma coisa e o outro perceba. Que o paladar do outro ‘estranhe’. Ou rejeite mas finja satisfação. Que os elogios não venham na mesma proporção que acreditamos mereça o que oferecemos. Ou então, o que parece pior, o outro resolve mudar seu destino e a gente come apenas o que trouxemos.
E descobrimos que não tem o mesmo gosto. Que o tempero do outro faz muita falta.