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sexta-feira, 30 de março de 2012

TEMPO


O cidadão arranjou um emprego de carteira assinada. Junto com o burocrático, um exame médico para a admissão. Saúde é o que interessa pois todos temos pressa. Se ela não anda bem, a gente não “corre”.

Antes de entrar no consultório, um questionário. As perguntas adiantam o trabalho do doutor. Questões óbvias, respostas nem sempre fidedignas. No caso do cidadão, ao responder que não está grávido, pode-se afirmar que ele não mentiu. Mas em outras perguntas pode ter pegado pela omissão.

Depois, alguns minutos na frente do médico. Pressão ok. Pulmão ok . Tudo ok. Atestado na mão. Entre uma coisa e outra, o tempo para assinatura e carimbo do documento é maior do que o restante.

Agora que as doenças modernas são a falta de dinheiro, a falta de tempo, a falta disso, a falta daquilo. Agora que os nossos distúrbios são eu quero isto, não tenho aquilo, fulano é melhor do que eu, os males “antigos” se perderam em algum lugar do “espaço”. Você toma um chá que passa.

Time is money, friend!

segunda-feira, 26 de março de 2012

CIRCO EM MOVIMENTO


Falar sobre os problemas do transporte coletivo em Belo Horizonte é “chover no molhado”. Aliás, quando chove costuma entrar água dentro dos ônibus pelo desgaste das borrachas de vedação, etc.

As relações entre usuários e os “agentes de bordo”, classificação chique, talvez retirada do jargão das companhias aéreas – cujo serviço anda de mal a pior – são sempre atritosas. A pressão dos patrões contribui para o estresse do trocador e do motorista. E aquelas carinhas, os emoticons do RH, coladas no para-brisas , dizendo que o motorista “precisa melhorar”, é o fim da picada.

Mas uma situação constrangedora, arriscada e desumana dentro dos ônibus precisa de uma solução imediata do órgão controlador e do legislador municipal. O espaço e as cadeiras antes da roleta são para ocupação preferencial  de gestantes, deficientes e idosos. As gestantes pagam a passagem e descem pela porta da frente. Os deficientes e acompanhantes, devidamente identificados com documento próprio e os idosos, munidos da carteira de identidade, os apresentam para o trocador. Este faz a conferência. Quem não está sobre o amparo do benefício, paga a passagem.

Acontece que para fazer essa conferência, o trocador ( muitos deles mulheres ) precisa sair da sua cadeira, pular a roleta, conferir , pular a roleta de volta e retornar ao seu assento. Essa operação é realizada com o veículo em movimento. Se para os homens já não é muito fácil o contorcionismo, para as mulheres então… Algumas, despreocupadas com o peso, outras parecendo taquarinhas armadas, jovens e de meia-idade se esforçam para executar a operação. Puxam a calça – senão a cintura baixa revela uma “linha do Equador” na vertical –  , enfiam o pé nos vãos da roleta, impulsionam o corpo e “seja o que Deus quiser”. Até que alguém se machuque.

De onde partiu a ordem, não sei. Sei que em tempo onde vereadores distribuem títulos e dão nome à ruas e praças, cabe uma atitude. Se não é da alçada deles que pressionem então para uma mudança do processo junto à BHtrans.

Por falar em pressão, em que lugar deste texto cabe citar o sindicato da categoria?

segunda-feira, 19 de março de 2012

sábado, 17 de março de 2012

ROBOCOP DE VITRINE


Vivemos acuados. Vivemos sobre o domínio do medo, coisa de filme, a gente é o filme da coisa. Medo de morrer, medo de empobrecer, medo de ser assaltado, medo de ser assaltado de novo, medo deblitz, medo do outro, medo de escuro, medo de adoecer, medo de perder o emprego, medo do outro morrer , medo de não receber, medo de não pagar, medo da existência da divindade, medo da inexistência da divindade, medo de começar, medo de acabar, medo de dizer sim, medo de ouvir não, medo de amar,medo de não amar…

Nesta síndrome, nos prevenimos de todas as formas possíveis. E não preciso listar aqui. Mas entre a interminável lista de prevenções que incluem cães, cercas elétricas, muralhas e blindados, o comportamento de seguranças em shoppings e lojas beira a insanidade.

Tem cidadão que se acha o "robocop" da vitrine, o xerife do asfalto. Daí, nós, a partir do seu critério de avaliação podemos ser ou não “cidadãos acima de qualquer suspeita”. Se, por causa da paranóia do “rinoceronte de paletó”, somos alcançados pelo seu “sensor de marginalidade”, é melhor se preparar. A situação pode ser constrangedora.

O “mib” passa a nos rastrear , quer dizer, seguir, como um cão farejador. Num ataque de histeria, passa a falar no seu microfonezinho de recepcionista de cassino, ou no talk walk, enquanto faz marcação cerrada. Não somos mais clientes, ou potenciais clientes: somos ladrões – ou potenciais ladrões.

Passei por algumas situações semelhantes. Tirei satisfação, mudei o constrangimento de posição. Respeito o profissional, sei dos riscos aos quais  um comerciante está exposto. Mas ser observado como um possível marginal, um ladrão,  não permito. E exijo retratação.

Ainda que seja um espaço privado, é preciso que o direito de ir e vir, de circular seja garantido. Caso contrário, em pouco tempo, seremos revistados na porta por homens que não estarão mais protegendo o patrimônio alheio. Estarão roubando a nossa liberdade.

quarta-feira, 14 de março de 2012

SIMPLES

SIMPLES

Início da noite, cachorro-quente, suco de pêssego e pernilongos brigando de “pegar onda” na frente do ventilador ligado. Nematoceras fora, o clima é de aconchego, carinhos, palavras amenas, risos. Pedaços de chocolate adocicam a preguiça e o sono que se aproxima.

São muito simples a felicidade e a paz  quando as queremos para nós e para os outros.Respeitamos os interesses alheios, citamos os da gente e descobrimos, sempre, vontades comuns. Daí é oferecer e receber. A vida, repleta de reciprocidades do coração, é muito mais agradável, uma sensação de eternidade.

Cumplicidade é fundamental entre pessoas que acreditam na harmonia e nos afetos. Nada melhor do que um carinho. Nada mais gostoso do que um toque mais ousado, uma “pegada” viril, um beijo na boca, a madrugada entre abraços.

No dia seguinte, o nosso olhar acorda e encontra o olhar amado. Tudo devia parar aqui, entre olhares. O mundo todo dentro desses limites, dentro das fronteiras dos nossos olhos. De mãos dadas, confirmamos que amar é um jogo de complementos. Um jogo de regras básicas mínimas e responsabilidades complexas máximas.

Neste infinito tabuleiro, a sutileza dos movimentos é a essência misteriosa que nos envolve e nos alimenta. E neste jogo, se amamos, ninguém perde.

sábado, 10 de março de 2012

FRAGMENTOS(3)

FRAGMENTOS 3 *

Estou de férias. Ainda não entendo bem porque as pessoas ficam tão alegres quando estão de férias. Agradecem a Deus, se entusiasmam porque não levantarão cedo amanhã, não vão pegar ônibus lotado, nem engarrafamento, nem falta de estacionamento, nem falta de cadeira vazia dentro do lotação. Felizes por não ver a cara do chefe, do professor, dos colegas, dos clientes por muitos dias.

Claro que tem os que não gostam de férias. Mas aí, cada um com a sua explicação. Eu que já não entendo direito a alegria, vou entender da chateação?!

Vovô toma conta de mim. Mamãe trabalha fora. O salário dela passa longe do salário dos deputados, dos juízes, dos vereadores, dos prefeitos, dos ministros, governadores e presidente do país. Aí ela não consegue pagar alguém para cuidar de mim nas férias.

Vovô trabalha por conta própria. Mais ou menos significa que ele vive sem fazer nada até que alguém o chama para trabalhar. Não tem chefe, não tem professor, não tem colegas, nem férias. Conta que ganha mais do que mamãe. Mas a grana dele também passa léguas de distância do que ganham os deputados, dos juízes, dos vereadores, dos prefeitos, dos ministros, governadores e presidente do país.

Adoro o meu avô. Ele também me adora. Me ama, sou seu melhor amigo, vou ser seu melhor companheiro.

Do livro ” O inevitável” , inédito.

quinta-feira, 8 de março de 2012

FRAGMENTOS (2)

FRAGMENTOS 2 *

Na rua de cima morava uma menina de olhinhos rasgados e com um sorriso mais sorriso que conheci. Sorriso doce de borboleta bocejando. Eu nunca havia visto alguém de carne e osso, de olhos tão esticadinhos e jeito tão maravilhoso de ser um ser humano.

Foi por acaso que nos conhecemos. Padre Geraldo queria conversar comigo na igreja. Coisas da missa de domingo. Eu ajudava e ele fazia questão de tudo sempre perfeito.
No meio do caminho dei de cara com a menina que vinha correndo com um embrulho nas mãos e uma pressa gigantesca dentro do peito.

-         Desculpa…
-         Cê num olha por onde anda, não?!

Ela abaixou para apanhar o embrulho. Roupas.

-         Foi sem querer…
-         …
-         Sujou?
-         Acho que não…

Sujou só um pouquinho. Ajudei a limpar.

-         Sua mãe é costureira?
-         Não. Estas roupas são dela. Eu fui buscar. Estavam um pouco largas. Mamãe pediu para apertar.

Aí encontrei os olhos dela.

-         Você é do Japão?

Ela respondeu um não mudo  que o tempo ouviu primeiro. Só depois eu.
Depois do susto, resolvi contar farol.

-         Eu gosto de poesia…

O rostinho dela se iluminou. Ela veio para perto de mim. Quase sussurrou.

-         Você gosta de ler, de escrever, ou das duas coisas?

Eu já tinha ouvido dizer que num mundo de ciências e matemáticas não existe muito espaço para poetas. Mas eu não queria que as ciências e as contas de vezes e de dividir acabassem com meu sonho ali, naquela hora. Importante era responder direito, com perfeição.

-         As duas coisas…
-         Você escreve poesia mesmo, que nem o Carlos Drumond, a Adélia Prado, o Antônio Barreto, o Manoel de Barros, a Cecília Meirelles, o Pablo Neruda, a Gabriela Mistral, o Mário Quintanna… ?

Ela disparou a recitar nome de gente poeta que eu nem nunca tinha ouvido falar. E de um jeito tão simples que eu tinha certeza de que não era  humilhação dela para comigo. Resolvi fuçar o pensamento.

-         Eu gosto do Olavo Bilac, do Fagundes Varella, do Gonçalves Dias…
-         Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá…
-         De quem é isso?!
-         Do Gonçalves Dias! Você acabou de falar que gosta dele…
-         É verdade. Eu tava só vendo se você sabe mesmo poesia…
-         Poesia a gente não tem de saber só. Tem de amar e deixar que ela tome conta da gente.
-         Quer ouvir um pedaço de uma poesia minha?

Ela arregalou os olhos.

-         Você  vai recitar uma poesia sua?!

E não é que eu ia mesmo!


Do livro “A menina de olhinhos rasgados” – Editora Dimensão

terça-feira, 6 de março de 2012

domingo, 4 de março de 2012

HISTÓRIA

HISTÓRIA *

A Maternidade Odete Valadares comemorou 56 anos. A Maternidade foi fundada em 24 de março de 1955.Uma faixa, “sem muito glamour”, colocada na entrada diz que eu, nós fazemos parte da história dela. Eu, com certeza, pois nasci na “casa de parto”, como era conhecida, em 12 de setembro de 1956, às nove horas da manhã.

Mamãe estava na feira comprando chuchu para refogar com carne moída. Eu, um apaixonado por esta mistura acompanhada de arroz e feijão inteiro,  resolvi participar do almoço. Agora, do lado de fora da sua barriga. Sem comprar o chuchu, levaram minha mãe bem depressa.
12 de setembro é o dia em que também nasceu Juscelino Kubitscheck . Exatamente às nove horas, o pessoal do 12º. Regimento de Infantaria do Exército, situado próximo, dava uma salva de tiros de canhão em homenagem ao então presidente da República.

Não conheci Juscelino mas sua morte me emocionou muito. A salva de tiros pode explicar esta minha instabilidade emocional, minhas explosões, o volume sempre alto da voz, o entendimento de que a vida pode ser comemorada todos os dias.

Meus pais, aos 78 anos (papai nasceu em abril e mamãe em agosto de 1933), gostarão de relembrar isto numa próxima conversa entre nós. Papai, com perda quase total da audição, não escutará mais as salvas de canhão. Mamãe, na cama depois de um AVC, não refoga mais chuchu com carne moída.

Meus filhos foram comemorados com mais ou menos festas. Uma das filhas, demorei dias ( talvez meses,não me recordo agora) para conhecer e carregar no colo. Outra filha, passaram-se anos ( 10, eu creio) para que eu pudesse vê-la e abraçá-la. Ainda falando das filhas, tem a que eu gostava de “engolir” o pezinho. Dos dois filhos, o mais velho, ( para quem eu não soube dar, por pura falta de preparo, o amor como deveria) por causa da indecisão médica, quase morreu. O caçula ( que no seu perfil nas redes sociais escreve que tem “19 anos de experiência em Terra”) ensaia as novas viagens do ser humano.

Os netos chegam.Samuel,Gabriel e Isabela. Se eu não demorar muito, não adiar muito, posso  passar com eles em frente ao prédio da Maternidade Odete Valadares e contar esta história. Pode ser que eles me perguntem como é que a gente nasce.

Bem, cegonha era coisa do meu tempo. Creio que isto me auxilie.

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