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sábado, 19 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL!(2)


Conheci Sá Luiza num tempo em que (re)conheci Araçuaí, a cantoria dos Trovadores, as tramas das pedras, as tranças de um amor. Foi um tempo em que eu imaginava ser o meu tempo. Em que eu planejava construir um pequeno castelo e do alto da torre ver a vida indo horizonte a fora.

O castelo ficou na base. As pedras rolaram rio abaixo. A voz trovadora cantarola num sussurro ao som do tumtum resignado de um coração que descobriu que basta envelhecer para se compreender as razões dos muitos que nos sobraram poucos.

Do amor desatado, do Araçuaí lá longe, trouxe um tanto de palavras de Sá Luiza. Sá Luiza que também, faz tanto, entrou pela outra porta da vida. Sá Luiza, a quem chamo de “fada de Deus”.

Sá Luiza

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Nasci no Córgo Novo, no Córgo da Trevessa, distrito de Itinga.
Meu pai era vaqueiro, minha mãe era fiano e nós roçano,
capinano e plantano e colhendo e comendo.
Sem sabê o qui tava fazeno, mas nós tava viveno.

Dez que Isabel teve.
Eu sô a sete das nove. A primeira, Maria.
Virginía, Domingas, Augusta, Laurinda, Rufina e eu,
Antônia, Cirila. José foi o caçula.
Um só homem. Nasceu por descuido.
José morreu matado sem tê um inimigo.
Um camarada matô ele pra ganhá um conto de réis.
Minha mãe passô muito sentimento.

.2

Nós, nenhuma foi a escola.
A madrinha de Cirila, que era da Itinga,
tomô ela, falô qui era pra passeá, aducô Cirila.
Cirila só qui aprendeu assiná o nome.
Meu pai num quis pô nenhuma na escola
porque menina muié num podia sabê lê não qui escrevia pra rapaz.
E por aí ficou nós tudo, burra.
Rufina tinha vontade de sabê lê mas não deu pra ela.
Nossa escola é a enxada, é foice e o machado, é fazê cerca, plantá, colhê.

Eu nunca se esforcei porque eu vi qui não dava pra mim.
As outra num ganhô, pra quê qui eu vô mexê?!

.3

Minha natureza é a natureza seca.
Se pode, pode; se num pode, eu tenho paciência.
Deixa pra quando pudé.
É assim qui é a minha natureza.
E num agravo também.
.4

Eu num tenho influênça pra namoro.
Eu tenho influênça é pra dança.
Meu pai fez um tamborzão, de côro de cotia.
Botava aquilo baixinho e nós dançava até café cozinhá.

Ô minino, a vida mió do mundo é dança.

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Meu pai falava pra nós num dançá mais homi.
Eu confessei pra mim sabê do padre.
Fui perguntá qui mal fazia dançá mais homi.
Ele falô assim, dançá mais homi num é pecado, não.
Pecado é si ocê dançá por intérece.
Si fô por diversão num é pecado, não.
E eu nunca dancei por intérece.

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Tudo já acabô, já morreu,
Minhas irmã já morreu tudo,
só ficô esse osso aqui.

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Vai casano e sumino.
E a saudade qui a gente fica quando sai.
Uma morre prum canto, outra morre pru otro.
Nem vê o senhor pode vê. E tudo morreu.
As muié com os marido e tudo.
Agora, Rufina morreu moça. Aqui.

.8

Depois d’eu aqui é qui eu casei.
Mas eu casei pra ajudá um véio.
Eu nunca tive coração de a gente pedi uma coisa
e eu podeno fazê, num fazê.
Eu olhei assim, cá no meu coração,
esse véio num dá mais nada, Deus me perdoe.
Ele queria casá só pra tê uma muié pra levá comida pra ele.
Só pra isso qui ele queria.
Eu pensei, isso eu posso fazê. Eu já tô véia e ele muito véio.
Eu fui como empregada e companheira.

.9

Ele me pediu em casamento e falô comigo qui falasse com minha mãe.
E eu falei?! Falei, não.
Era só pra ajudá ele a trabalhá, só pra servi de cozinheira e empregada!
Quando foi o dia, ele veio pra pô os papel na igreja.
Ele chegô e encontrô minha mãe abaxada no terrero com a penerona de algodão.
O quê qui a senhora acha? A senhora leva bem de eu casá com a Luiza?
Ela num qué casá!
Terminô a palavra dele com minha mãe.

Cê num falô com sua mãe qui cê ia casá comigo?!
Falei, não!
E agora?!
Nós arruma.
E arrumô.

Coitado! A ignorança faz sofrê…

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