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domingo, 20 de fevereiro de 2011

O "poeta perereca"


Em 1928, a Revista de Antropofagia publicou o poema “No meio do caminho”, do itabirano Carlos Drummond de Andrade:

“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra”.

Passou batido, como se diz usualmente daquilo que é bom – ou não – e que ninguém prestou atenção. E poderia até ficar por isso mesmo, não fosse o querido Drummond resolver incluí-lo no seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, em 1930. Vieram elogios?Evidente. Mas também muita pancada, muita gozação, galhofarias tanto na conversa miúda do dia a dia como nas colunas dos jornais, nas rodas intelectuais e, até, nas lides do ambiente político da época. Segundo historiadores, Carlos Prestes fez uso “da pedra no caminho” em um discurso, em 1945, no Comitê do PC.

A sua presença, como chefe de gabinete do ministro da Educação, Gustavo Capanema, durante o Estado Novo(1934-1945) colaborou ainda mais para esquentar seus detratores. Como o poema não era uma brincadeira, como quiseram supor os antimodernistas , aí é que a vaca foi para o brejo. Se é brejo tem perereca…
O tal “poema da pedra”, se “não passou batido” depois do lançamento da coletânea, o mesmo ocorreu com tudo o que foi dito a seu respeito: também não “passou” pelo poeta. Ainda que ele nunca tenha reagido publicamente. Ele se dispôs a reunir tudo o que se publicava a respeito de sua criação. E, em 1967, publicou, em livro, textos de diversos autores, além de comentários e menções sobre “No meio do caminho”.

É essa pérola, essa vingança silenciosa e mineira que o Instituto Moreira Salles está relançando agora: “Uma pedra no caminho – Biografia de um Poema” – 344 paginas, R$ 50,00. É uma edição ampliada, sob a responsabilidade de Eucanãa Ferraz  que se encarregou do prefácio e da introdução de textos a respeito do poema e sobre o próprio livro posteriores a sua publicação.

Reflexo do incerto e do ambíguo próprios da lavra modernista, a pedra no meio do caminho é o monótono, o de sempre, o que se repete e cansa. Uma pedra que o poeta apontou e, até agora, pelo que se sabe, ninguém removeu. Foi chamado de “poeta perereca”. E houve quem lhe perguntou se não apareceu “uma alma caridosa” para pegar a pedra e esmagar-lhe a cabeça.

* A ilustração é uma caricatura de Alvarus, publicada em 1940 e obtida em  www.algumapoesia.com.br

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