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sábado, 23 de maio de 2009

ESCRITOS ANTIGOS PARA ASSUNTOS SEMPRE NOVOS

Negrito
Nos meus arquivos encontro esta crônica, escrita depois de uma conversa com meu filho caçula, em 2002. Sete anos depois, ainda que ele também esteja aprendendo incertezas, tudo me parece tão apropriado.
TELESCÓPIOS

Meu filho mais novo, o caçulinha, completa dez anos hoje. Ainda me lembro quando ele deu as caras por aqui depois de uma cesariana. Veio sujinho de sangue, embrulhado em panos limpos nos braços de uma enfermeira com ares e modos de mãe do mundo.

Hoje ele recebeu mais presentes e telefonemas do que imaginava. Mais tarde, só nós dois em convívio, assistismos um filme em vídeo, almoçamos um mexido de arroz, lingüiça, ovo e feijão. Até a sua hora de ir para a escola. De calça curta, que o sol tá brabo.

O calor em Belo Horizonte anda insuportável. Por mais que a meteorologia dê explicações, os seus equipamentos são tão precisos como a opinião de parentes sobre o sexo do nosso filho. Quer dizer: cinquenta por cento de chance de acerto e igual proporção de erro. E os que acertam juram de mãos postas que nunca erraram um palpite. Já os derrotados alegam que foram enganados por certas condições e características apresentadas pela futura mãe: tamanho e circunferência da barriga; apetite; irritabilidade; quantidade de pontapés e coisa e tal. A meteorologia bate o escanteio e corre para cabecear.

Nestes tempos de tanta modernidade, dos inúmeros avanços científicos, parece um contra-senso aceitar uma ciência cujas bases são o palpite e a previsão. Se os técnicos conhecessem o João da Areia ficariam espantados. Sem aparelho nenhum, o homem acerta mesmo! Se bem que nos últimos anos ele anda meio ressabiado com a vida e a natureza.

Por outro lado, acabo de ler uma notícia de que o telescópio Hubble, engenho humano que orbita a quinhentos e sessenta quilômetros da Terra, está prestes a nos explicar a origem do Universo. De acordo com a estimativa da NASA ( não vou cair na tentação do sinônimo cético), lá para 2010, o invento de doze mil e quinhentos quilos vai dizer como tudo começou há quinze bilhões de anos. Nele está um equipamento que, se instalado em Washington é capaz de localizar dois pirilampos, a dois metros de distância um do outro, em algum jardim de Tóquio.

Imagino os físicos, matemáticos, biólogos, astrofísicos e toda a seleção científica mundial se deparando com um par de mãos a segurar uma caixa de fósforos e uma bomba(daquelas que na minha infância eram chamadas de “garrafinha”). Já pensou se o começo de tudo foi um traque no céu?

Gostaria de saber ao Luiz Ernesto sua opinião a respeito. Até que isto ocorra, vou ao terreiro e olho para o alto: chove ou não chove?

O aniversariante aparece e se manifesta intrigado com o meu cientificismo de depois do almoço. Quer saber como a gente descobre se vai chover ou não apenas olhando para cima. Nestas horas não me recordo de nenhum psicólogo ou pedagogo disponível para discutir questão tão relevante com um menino de dez anos.

Achismo é a ciência da moda. Todo mundo acha alguma coisa. Até mesmo quando temos certeza, dizemos eu acho. É o maior nariz de cera do diálogo esquivo da Humanidade.

Dez anos e meu filho me pergunta aquilo que, eu acho, nunca perguntei ao meu pai. Talvez porque naquela época – alguns dez anos atrás – a palavra ou o silêncio dele sempre foram verdades indiscutíveis. Não tínhamos idéia de como seriam as coisas nem através de um binóculo !

O mundo ficou grande. Meu filho é uma destas grandezas. Atento ao que está à sua volta, não demora muito e será capaz de me trazer inacreditáveis certezas. Em 2010 haverá de comemorar seus dezoito anos lendo a história do princípio de tudo. Quem sabe, até rindo das histórias que eu lhe contei.

Mas será meu filho, como são os outros quatro irmãos que ele tem, dos quais duas ainda não conhece. Por enquanto escondo dele as aventuras do meu telescópio particular. Será um ser humano questionando a vida vivendo-a.

Ao meu lado, sentado à escada da varanda de sua casa, quer saber de mim se vai chover. Respondo que não. Ele se vai em busca de novos conhecimentos.

Agora que a chuva cai, meu palpite na enxurrada, gostaria de estar ao seu lado para explicar as incertezas do homem. Melhor não. Prefiro que o meu olhar de pai apaixonado seja dois pirilampos a vigiá-lo. Tomara que o telescópio dele esteja em reparo.

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