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domingo, 23 de maio de 2010

ANOTAÇÕES SOBRE A MORTE (2)


As reflexões sobre o homem e a morte

(...)Concepção, gestação, nascimento, crescimento, reprodução. Neste fluxograma do existir humano a única operação comum da qual o homem tem certeza mas não sabe o seu quando,como e onde é a morte.
No conjunto das transformações que a humanidade tem sofrido no transcorrer de sua história, afirma Rodrigues(2006), duas ao menos permaneceram constantes, opostas, constituintes e complementares: os homens nascem, os homens morrem. Para ele é uma afirmativa que se sugere óbvia mas que não o é. Ainda que seja objeto de discussões filosóficas, tema recorrente nas mitologias, e com uma diversidade de práticas e ritos que a posicionaram como uma prioridade, a morte, nesses debates e reflexões é a única certeza absoluta no domínio da vida, diz Rodrigues(2006) . É o fim, o último ato de nós nessa existência, evento derradeiro, cujo peso de acontecimento não pode ser negado, mesmo que se lhe negue o valor de aniquilamento, aponta Rodrigues ( 2006).
Nesta trama existencial, vida e morte jogam como sócias no tabuleiro que somos cada um de nós. Pela sua racionalidade, e conseqüente consciência da própria morte, o homem sofre pelo seu fim, enquanto pergunta e procura respostas para que expliquem o sentido de sua existência. Que desvendem a morte e os mistérios que envolvem o antes e o depois de sua existência, nas palavras de Chauí (2003). Nessa perspectiva de compreensão e de estabelecimento de atitudes que possibilitem uma eventual convivência menos angustiante, o homem está, como de resto em tudo com o qual interage, sempre conceituando, refletindo, reinventando paradigmas de morrer. Assim é que, segundo Moreira e Lisboa , citados por Agra e Albuquerque (2008,p.4), pensar e questionar a morte, o morrer são atitudes que aconteceram durante ou em parte da vida de cada homem, uma vez que não existe uma aceitabilidade para a afirmação de que “ as pessoas morrem porque simplesmente estão sujeitas às leis da natureza”(MOREIRA;LISBOA apud AGRA;ALBUQUERQUE,2008,p.4).

Capaz de fomentar inúmeras representações, a morte provoca o universo de símbolos de uma cultura. Não importa qualquer que seja a sua orientação ideológica, religiosa. De certo modo, a nossa cultura interpreta o morrer como um acontecimento imprevisto que desestabiliza a rotina de viver e refuta a sua realidade dentro do nosso existir que é o de demonstrar a efemeridade da vida.

Maranhão citado por Noal (2003), concebe que, por maior que possa ser a conscientização de que somos seres mortais isso não desqualifica a vida; a valoriza porque o vivido jamais será recuperado. Dessa forma, a morte, pela sua inevitabilidade, torna-se a principal razão para se viver, e bem. Adquire uma responsabilidade moral sobre a qualidade do comportamento do indivíduo.

Outros pesquisadores têm uma teoria diferente para essa fatalidade da vida que é o morrer. Kübler-Ross citada por NOAL( 2003), acredita que a morte é apenas a transição para uma forma de vida diferente, o estágio final da evolução terrena. Nessa perspectiva, a morte é um cambiamento para um outro estágio ou uma transmutação do mundo material para o mundo imaterial. Para Kübler-Ross, citada por NOAL(2003), quem constrói a ruptura é a produção simbólica ancorada no modelo ocidental de vida que se projeta através da negação da idéia de impermanência.

A idéia de impermanência é a de que “todos os fenômenos são impermanentes, eles mudam, nada permanece o mesmo. Eles interagem constantemente, se influenciando mutuamente todo o tempo, levando as mudanças, de momento a momento”(CIPRIANI,2009).


Sabemos que todos os seres nascem, adoecem, envelhecem e morrem. As estrelas nascem, mantêm-se e morrem. Pensamentos nascem, mantêm-se e morrem.Tudo no mundo, no Universo, obedece a Lei da Impermanência, independentemente da vontade de quem quer que seja. A cada momento o mundo e seus componentes movimentam-se pelos três períodos do nascimento, envelhecimento e morte. Nada é permanente, nada é eterno. Tudo se transforma sem cessar e a tal ponto que, depois de longos períodos de tempo, nenhum dos aspectos anteriores permanece o mesmo, em nada, absolutamente nada, que exista no Universo.(CIPRIANI,2009).


Muitas pessoas, conforme Noal (2003), ficam chocadas não somente com o instante do morrer, com a presença da morte, mas com tudo o que envolve essa morte. Não estariam aí os sentimentos com relação àquele que morreu mas, sim, um sentimento de aproximação com “a sensação de impermanência de si mesmas, isto é, por colocarem-se no lugar do outro (o sujeito da morte) somente naquele momento” (NOAL,2003,).

Esse momento justifica a afirmação de Elias, citado por Noal(2003,p.4) de que “a morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas”. Para Noal(2003) “Comte-Sponville reconhece que nunca nos encontraremos com nossa própria morte afirmando que ela não é nada para os viventes, uma vez que eles existem, nem para os mortos, uma vez que não existem”(NOAL,2003,p.4). No seu entendimento “ a amplitude da morte e de sua vitória nos preserva dela”(NOAL,2003,p.4) : “a morte nos destrói sem nos atingir” (COMTE-SPONVILLE apud NOAL,2003,p.4). Beauvoir citada por Noal (2003,p.4) sugere que ao participarmos das cerimônias de sepultamento do outro, “assistimos ao ensaio geral do nosso próprio enterro”(BEAUVOIR apud NOAL,2003,p.4).
(...)Uma coisa é encarar a morte como algo inscrito necessariamente no destino dos homens em geral, enquanto membros da classe dos seres vivos, conforme Rodrigues (2006). Outra coisa é pensar a realidade de cada morte individual. É evidente que intercalando os mortos e a morte, quer dizer, entre determinado acontecimento biográfico e determinada condição ontológica – ou melhor, escatológica – segundo Rodrigues( 2006), as ligações, as interligações, aparentemente simples, na verdade são muito mais complexas do que se possa imaginar. Neste conflito, o ser enquanto ser se depara com a consumação do seu tempo e da sua história, ou seja, o seu fim. Que é da sua natureza morrer.

Penso, logo morro! Acontecimento inexorável a que todos nós estamos fadados a experimentar sem podermos transmitir a experiência aos que ainda ficam, a morte que pensamos, ainda que a nossa, é sempre a morte do outro. No entendimento de Rodrigues (2006) não é a morte – para aquele que pensa sobre ela – que apresenta a questão. A morte é uma categoria geral e indefinida, portanto, o que incomoda àquele que reflete sobre ela é que ele morre , o fato de que ‘eu’ morro.

Na concepção de Jankélévitch, citado por Rodrigues(2006,p.17), a morte não é a nossa transformação em um outro mas o fato de virmos a ser o nada. Isso, para ele, traduz-se na mesma coisa ou seja “transformar-se em absolutamente outro, porque, se o relativamente outro é o contraditório do mesmo, se comporta em relação a este como o não-ser em relação ao ser”(JANKÉLÉVITCH apud RODRIGUES,2006,p.17).

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