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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A FOTOGRAFIA


Minha mãe, enquanto remendava uma roupa, dizia que o homem é o chefe, o marido é o senhor.Nossas atenções fixadas naquela vozinha mansa, indo e vindo feito o rádio na hora do Angelus. Minha mãe assemelhava-se ao antes de tudo. Limpa.

Nesse de vez em quando de conversa dava sinal de estar no mesmo tempo que nós.Era, na maioria do sempre, calada, mas gostava de ruídos. Vagamente pensava, num lá longe despalavreado. Costumava ter medo de escuro.  Parece que só se fiava nos galos. Porque os galos, provavelmente,  cantavam a canseira que ela andava sentindo das coisas.

Buscava refúgio nas orações. Ia sofrendo nos seus desencontros.Entardecia antes, nas profundezas de uma meditação inquieta. Sua vida era para dentro, como se não fosse. Vivia de si mesma, ingerindo seu interior. Desapercebidamente foi mudando de casca e virou outra, e outra, e outra. Passou por nós. Nos remendos e no tricô talvez tenha escrito alguma coisa sobre ela. Mas ninguém, que eu saiba, teve paciência de ler.

A gente fica ouvindo nossa mãe e sua solidão. Entendendo a importância do homem, as precauções contra os sozinhos futuros. Cabia-nos submeter às suas intenções e ordens  e retribuir com uma comidinha bem feita, uma roupa cada vez mais alva e cheirosa, e uma fertilidade de povoar a Terra. Para o homem o sacrifício, o esgotamento de nós.

Sobre as minhas intimidades  aprendi a falar com os termos que minha mãe me disse. Por sinal, muito pouca coisa ela soube me ensinar. De qualquer forma, passados uns tempos, meu corpo e eu mesma conseguíamos esconder nossas debilidades. Ninguém notava. Às vezes, nem eu. Repetia minha mãe.

Toda noite ela pedia a Deus  que fizesse felizes todos os seus filhos.  Acendia vela, depositava flores e confiança aos pés de seus santos. Cuidava da casa carinhosamente,  sua construção de vidro indestrutível. Não fazia mais conta de quantos anos tinha.  Preocupação desnecessária. Que salvação, que prêmio pode alguém conseguir reunindo anos? Reunir o que já estava irremediavelmente perdido?  Ela sabia que era uma subtração suicida,  cujo resultado apontava sempre um resto, uma sobra da qual não sabia quanto mas que até amanhã já era muito.Contar a idade, ela dizia, mata mais depressa.

Olho o retrato de mamãe. Seus olhos na sombra. Encolhida na vergonha de se deixar fotografar. Vestida de preto. Em volta, plantas, pedras, muro, sol. Ela única. Externamente indivisível. Um riso ensaiado de todo dia. Olhar aéreo. Virginianamente sintonizada com as nuvens. Gasosa lembrança. Só.

*  A fotografia está em  www.sagrado-feminino.blogspot.com

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