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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CAMINHOS


Encontro com um amigo de meu filho caçula dentro do ônibus. Menino bom, educado, conversa tranquila, olhos brilhantes.

Cumprimentos de praxe, nós dois em pé pois  é um horário com número reduzido de veículos. E qual  o horário que não é , se os carros da linha que me serve estão sempre lotados, indo e vindo? Pergunto sobre os pais dele, se ele está estudando, trabalhando.
Os pais vão bem, está estudando à noite, faz um curso no Senai pela manhã e trabalha em meio expediente em um escritório de advocacia.

Vamos trocando impressões sobre trabalho, estudo, família, individualidade, que pais não são donos, filhos não são  propriedade. Até que ele se despede. E segue seu destino de menino/homem.

Continuo a viagem e me vem à memória meus tempos de ginasial – sou do tempo do primário,admissão,ginasial e científico – no Colégio Estadual de Minas Gerais, anexo Sagrada Família.
Na terceira série, estudei na ‘Terceira C’. Entre os meus colegas um se destacava. Só tirava nota alta, entre 9 e 10, sabia de tudo. Fera em Matemática, Inglês,Francês, Português, Física,Química. Pereba nos esportes. Tímido até não poder mais.

As provas eram bimestrais. Com trinta pontos a gente passava direto, sem prova final.
Eu recordo que esse meu colega precisou das notas do quarto bimestre apenas em Matemática e Francês. Passou em tudo,direto!(como se dizia no jargão escolar).

Na quarta série mudei de escola. Nunca mais tive notícias desse colega. Mas ele sempre foi o meu grande exemplo de estudante.

Lá nos meus 33 anos, depois de terminar o agora segundo grau via supletivo(com o apoio e o carinho da Edir Valadares, então diretora do CESU – Centro de Ensino Supletivo), encarei um vestibular e…passei!
Comemorações, adaptação com o ensino superior, ali estava eu  iniciando a minha graduação em Jornalismo na Fafi-BH.

Certo dia, entro no ônibus – meu karma – e quem é que eu vejo sentado na poltrona perto da porta traseira, depois da roleta(ainda se entrava pela porta de trás e a roleta ficava à direita de quem entrava)? O meu exemplo de estudante.

Ele se lembrava de mim, meu nome, os tempos de ginásio deixados num passado de… 16,17,19 anos? Não importava muito.

Diante dele, fiquei empolgado e contei que estava estudando Jornalismo, apesar dos 30 anos, dois filhos e tal e tal. Valorizei meu esforço, expus planos, metas. Havia traçado uma carreira de sucesso inquestionável. Mas, e ele, o estudante mais inteligente, mais brilhante que eu conhecia? O que era da vida dele?

Ele, sempre educado, estava um pouco mais soltinho, mais conversador. Tinha até um maço de cigarros no bolso. Pediu-me desculpas, levantou-se e avisou que ia descer dois pontos à frente. Apertou minha mão. Contou,rápido, que concluíra o curso científico e abandonara completamente os estudos. Não quis mais saber de nada que dissesse respeito a livros, sala de aula, provas. Nada!

E então?

Então ele me contou que era gerente de um depósito de material de construção naquela avenida mesmo. Agora entendia de areia,tijolo,cimento. Eu sabia qual. Garantiu que a vida estava ótima e que fora um prazer me reencontrar. Desejou-me felicidades e se foi.

Não o vi mais. Precisei de 21 anos para concluir minha graduação – incluindo um novo vestibular e um histórico escolar quilométrico – e aos 53 anos defendi minha dissertação de Mestrado.

Com a duplicação da avenida, o depósito onde o meu exemplo de estudante trabalhava foi demolido. Perdi a sua referência.

E, 24 anos  depois do meu reencontro com ele, espero revê-lo para saber como andam as nossas felicidades.

Fotografia de acervo

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