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quinta-feira, 8 de março de 2012

FRAGMENTOS (2)

FRAGMENTOS 2 *

Na rua de cima morava uma menina de olhinhos rasgados e com um sorriso mais sorriso que conheci. Sorriso doce de borboleta bocejando. Eu nunca havia visto alguém de carne e osso, de olhos tão esticadinhos e jeito tão maravilhoso de ser um ser humano.

Foi por acaso que nos conhecemos. Padre Geraldo queria conversar comigo na igreja. Coisas da missa de domingo. Eu ajudava e ele fazia questão de tudo sempre perfeito.
No meio do caminho dei de cara com a menina que vinha correndo com um embrulho nas mãos e uma pressa gigantesca dentro do peito.

-         Desculpa…
-         Cê num olha por onde anda, não?!

Ela abaixou para apanhar o embrulho. Roupas.

-         Foi sem querer…
-         …
-         Sujou?
-         Acho que não…

Sujou só um pouquinho. Ajudei a limpar.

-         Sua mãe é costureira?
-         Não. Estas roupas são dela. Eu fui buscar. Estavam um pouco largas. Mamãe pediu para apertar.

Aí encontrei os olhos dela.

-         Você é do Japão?

Ela respondeu um não mudo  que o tempo ouviu primeiro. Só depois eu.
Depois do susto, resolvi contar farol.

-         Eu gosto de poesia…

O rostinho dela se iluminou. Ela veio para perto de mim. Quase sussurrou.

-         Você gosta de ler, de escrever, ou das duas coisas?

Eu já tinha ouvido dizer que num mundo de ciências e matemáticas não existe muito espaço para poetas. Mas eu não queria que as ciências e as contas de vezes e de dividir acabassem com meu sonho ali, naquela hora. Importante era responder direito, com perfeição.

-         As duas coisas…
-         Você escreve poesia mesmo, que nem o Carlos Drumond, a Adélia Prado, o Antônio Barreto, o Manoel de Barros, a Cecília Meirelles, o Pablo Neruda, a Gabriela Mistral, o Mário Quintanna… ?

Ela disparou a recitar nome de gente poeta que eu nem nunca tinha ouvido falar. E de um jeito tão simples que eu tinha certeza de que não era  humilhação dela para comigo. Resolvi fuçar o pensamento.

-         Eu gosto do Olavo Bilac, do Fagundes Varella, do Gonçalves Dias…
-         Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá…
-         De quem é isso?!
-         Do Gonçalves Dias! Você acabou de falar que gosta dele…
-         É verdade. Eu tava só vendo se você sabe mesmo poesia…
-         Poesia a gente não tem de saber só. Tem de amar e deixar que ela tome conta da gente.
-         Quer ouvir um pedaço de uma poesia minha?

Ela arregalou os olhos.

-         Você  vai recitar uma poesia sua?!

E não é que eu ia mesmo!


Do livro “A menina de olhinhos rasgados” – Editora Dimensão

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