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segunda-feira, 3 de outubro de 2011
O BRINDE QUE EU NÃO FIZ
Uma pessoa querida, com quem trabalhei lá pelos anos 1997, 98, a Chris Cabral, publicou uma fotografia de uma garrafa de Brunello de Montalcino, um tinto da região da Toscana, produzido em Montalcino, província de Siena, Itália.
Este vinho foi o pagamento que Giafranco Cerri solicitou pela cessão de sua imagem – e um pequeno,exuberante e mágico momento de sua arte como escultor – para um vídeo sobre o cavalo Mangalarga Marchador. A cena era Giafranco esculpindo do barro um esguio,forte e quase alado equino.
Dividiram comigo este instante de encantamento o Alessandro Cerri, fotógrafo e proprietário da produtora, o Studio Cerri; Marco Melo, diretor de fotografia e José Ferraz, o veterinário mais videomaker que eu conheço. Figuraça!
Com o privilégio não só de ser o roteirista e o diretor da produção, fui um dos câmeras. O outro, foi o Marco. Cada movimento, cada olhar do artista sugeria a regência de uma sonata, os momentos mais introspectivos de Debussy. Carne e barro fundidos pela natureza comum de vir do pó e para ele voltar. Nessa transitoriedade as mãos e a argila conversavam suas alternativas, conspiravam os segredos de uma geometria intuitiva. Moldavam-se o coração,a vida, o animal.
Giafranco ria, ironizava, brincava de ser um deus mas sabedor do limite de sua criação. Bastava que fosse o que precisava ser. Com a mesma criatividade com que confeccionava seus mosaicos – ele é um dos mais renomados mosaicistas do Brasil(sem deixar de lembrar Alfredo Mucci) – Cerri apanhava fragmentos no ar, dispostos pela magia que só os grandes bruxos conhecem. E guardam para si.
Essa magia o arrebatou daqui em 2008. Tenho, anotado por ele num pedaço de folha de caderno, o número de seu telefone. Pediu-me para ligar e fazer uma visita para ele. Para conversar e tomar uma taça de seu tinto, seu Brunello.
Já não bebia naquela época. O álcool, sabedor da minha doença, estava tomando conta de mim. Uma pessoa muito amada foi mais forte do que ele e me vigia para evitar uma recaída. Mas não comentei isso com Giafranco. Apenas não liguei para ele e não levei uma garrafa do vinho pretendido.
Perdi uma oportunidade rara de ouvir o respirar de um artista, um deus bruxo. Talvez ele me ensinasse alguns de seus feitiços, o de viver em arte. Podia brindar com um suco, um refrigerante. Pessoas despojadas de vaidade não se importam com heresias. Acreditei que teria tempo para isso.Giafranco Cerri tinha outros brindes agendados.
Salute, mago!
* Fotografia de Chris Cabral
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