CARA DE BOBO ALEGRE*
Intervalo de jogo de futebol transmitido pela televisão tem sempre aquele papo furado do locutor com o comentarista, com o repórter de campo, os melhores (nem sempre) momentos do primeiro tempo, os comerciais, as chamadas da programação e você. É, você que vai ao campo torcer para o seu time e gritar para o centroavante furar o seu…gol: “fura o meu, fura o meu”!
Ao bel prazer dos cinegrafistas e do diretor de tv ou o profissional da mesa de corte, closes, planos médios, cenas de conversas, lanches, e outras ações são enquadradas, focadas e levadas ao ar como parte do entretenimento antes do reinício da partida.
A preferência é por mulheres bonitas – de acordo com o crivo estético de cada câmera e o ok da direção – desacompanhadas. Crianças também têm sua vez. Depois são os casais, a família, um pequeno grupo. A seguir, os exóticos, os tarados por futebol e os bobinhos de ocasião. Todo mundo na lente, todo o privado na zoom. Mas, se o incauto personagem percebe-se captado e resolve acenar, cutucar o amigo, a amiga, para “entrar no quadro”; se o pai insiste para que o filhinho mande um beijo para a mãe materializada naquele equipamento, ‘carregada nos ombros’ do cinegrafista, imediatamente a cena sai do ar. Só a televisão pode gozar esse prazer de fazer uso da imagem do cidadão.
Esse voyeurismo unilateral, sem ficar pelado para eles, os profissionais da transmissão, nem para nós, que assistimos em casa, cria uma interrogativa: é de direito o uso dessas imagens? Se os jogadores em campo recebem pelas suas respectivas (às vezes tão ruins quanto o futebol que praticam), que tal o camarada que pagou ingresso, o lanche, levou a família receber um capilé por seu momento de ‘bobo alegre’ ? E as mulheres, vaidosas torcedoras? O que têm de diferente das outras mulheres, muitas nem tão ‘bonitas assim’ que ganham uma fortuna na telinha? E quando essas imagens, quaisquer que sejam, são melhores do que os noventa minutos de uma pelada com perebas bem remunerados?
Tem ainda o constrangimento. Dedo no nariz, bocejos, coçadinhas, pernas abertas, cruzadas, descruzadas, meninos birrentos, desdentados, sujeito chapado com vontade de encarar a torcida adversária… Sem falar da situação de estar com a pessoa errada, no lugar errado! E da gozação que alguns locutores costumam fazer. De graça!
Em tempo de briga pelo direito de transmitir jogos e de negociações para ser transmitido, será que o tal código de defesa do torcedor, ou que nome tem, prevê alguma coisa? Ou será que no circo geral, só a televisão e os atletas têm direitos? Só eles são protagonistas? Só eles são dignos?
* Fotografia de acervo
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