Cabeça encostada no vidro da janela do ônibus, a moça dorme. Vem da aula, quase meia-noite. Ônibus lotado e ela, a pasta, a bolsa, a vontade de chegar rápido em casa, comer alguma coisa, tocar o sono profundo da filhinha e comentar o dia com a mãe. Dia que daqui a pouco recomeça. Tem que sair cedo, cedo mesmo. E enfrentar o estresse do trabalho. Correr para a faculdade. Correr para pegar o ônibus…
Ela dorme. Talvez sonhe. Com uma fada encantada que transforme o ônibus em carruagem, o motorista num príncipe, os passageiros em súditos, a casa dela num castelo.
Talvez pense. Na quantidade de trabalhos escolares que precisa fazer, nas provas que estão chegando, na dificuldade com a tal da aula de Economia, na mensalidade que vai vencer, na vontade de ter alguém para olhar e que a olhe no intervalo, que esteja na cadeira ao seu lado, dentro da sala.
Talvez imagine o seu primeiro concerto como violoncelista. Na primeira fila, Mstislav Rostropovich aplaude de pé. Grita “bravo, bravo” em russo e depois leva flores para ela, no camarim.
Talvez pretenda seguir a carreira de jornalista. Uma repórter bem sucedida, âncora de um telejornal, articulista de um periódico, editora de notícias em uma emissora de rádio.
Cabeça encostada no vidro da janela. Quem está dentro do veículo vê uma menina de cabelo curto, estilo joãozinho, pernas esticadas, as botas parecendo coturnos tingindo a cena com ares punk , um piercing no nariz. Mas aquela expressão bondosa, suave e tranquila…É só style o jeitinho punk.
Do lado de fora, no egoísmo e medo das ruas , vê-se um rosto. Carne e vidro. Cansaço e amparo. Frágeis, os dois.
Por uma dessas janelas do mundo passou um ônibus cheio de gente. E uma, em especial, quase se tornou uma violoncelista famosa.
* Fotografia de acervo
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