A culpa é do Sistema!
No século 19, na Europa, surge o desejo de que as ciências humanas tenham o mesmo rigor das ciências exatas e biológicas. De trazer destas para aquelas os seus conceitos. Entre esses, o de sistemas. Falamos de Auguste Comte e o positivismo. Para o francês o planejamento do desenvolvimento da sociedade e do indivíduo seria possível adotando-se os critérios das exatas.
Na década de 1960, David Easton define o conceito de Sistema Político. Seu texto não tem tradução para o Português.
Um sistema político é alimentado pelas demandas e pelos apoios. O filtro, a seleção e categorização dessas demandas é por conta das instituições ou seja, sindicatos, partidos políticos, associações, entre outros. O Estado – e os seus poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário – a partir das demandas que recebe, decide e age. O retorno dessas decisões, o famoso feedback pode ser de satisfação ou insatisfação/discordância/impedimentos. No segundo caso, irá gerar nova demanda e assim por diante. Daí, o retorno ensejar uma circularidade.
Diz o professor Clóvis de Barros Filho que “ quanto melhor funcionarem as instituições – ou os gatekeeper´s – melhor funciona o sistema.” Segundo o responsável pelas disciplina de Ética e Ciência Política da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, “longe de ser um mecanismo de censura, tem de ser um instrumento de comunicação racional das demandas que são completamente dispersas e caóticas.” Isto em virtude de que o outro filtro, o outro ‘selecionador’ de demandas é a cultura. E aí, imagina o “bode que deu”, o bode que dá, o bode que dará?!
Com todo respeito ao Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, esses “caos e dispersão” constituem o nosso “samba do crioulo doido” político e cidadão. O nosso “bode” cívico. Nas palavras de Barros Filho, é uma calamidade!
Explica o mestre que “ as pessoas ignoram a esfera de competência das autoridades e votam nesses e naqueles sem saber aquilo que juridicamente estão autorizados a fazer.” Mas a situação se agrava mais ainda, na reflexão : “ os próprios candidatos fazem promessas de propostas que estão fora de suas competências jurídicas. Em vários casos , grosseiramente fora.”
Daí, misturamos ao nosso desvarios os três poderes como “o governo”. E as esferas de poder, idem. Ainda que “o governo seja apenas o Executivo. Mas, também, com o corporativismo, o fisiologismo, as negociatas de balcão descoth bar durante o happy hour dos conluios, tudo se transforma em “governo”. Ou desgoverno.
E a responsabilidade da prefeitura, na verdade é do governo federal. Os deputados estaduais sendo solicitados a atender demandas que deveriam ser encaminhadas aos vereadores. Os vereadores incitados ao cumprimento de obrigações de senadores. E, ao final, “esse governo é uma m….!”.
As redes sociais, ora parlamento inglês, ora Ágora grega, reproduzem , em estágios diferentes, os nossos filtros culturais e as nossas demandas tão consistentes como “dispersas e caóticas”.
Fervilham paladinos de ordens e desordem ideológicas, bandeiras de cores e incolores partidárias, adjetivos e esbravejamentos chulos e escatológicos contra esse ou aquele, ou contra tudo e todos. Comparações mais calçadas nos ranços do partilhamento do poder dão a tônica da nossa quase total falta de tradição de trato e relacionamento nesta seara. O efeito 1964, depois das torturas e dos seus porões, ainda nos oprime e nos aprisiona nos tuneis da ignorância e do medo.
Se os “justiceiros políticos” não pararem de se digladiar, se os engraçadinhos não interromperem a sanha debochada contra aqueles que escolheram e autorizaram que lhes representassem e defendessem seus interesses, quem é o “monstro do lago ness” somos todos nós.
Autor do livro “A constituição desejada”, Clóvis , durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, como funcionário do Senado, fez contato com alguns cidadãos que encaminharam propostas para a nova Constituição. Foram enviadas cerca de 100 mil sugestões. Durante uma aula, recentemente, ele apresentou cinco situações que selecionou entre as várias sugestões e conversas que teve com os remetentes. Repasso duas:
- a do Sindicato dos Panificadores do Estado de Pernambuco, propondo que “toda empadinha deve conter uma azeitona”;
- a de uma advogada carioca, sugerindo que “toda mulher portando um cachorro com pulgas será presa em flagrante”.
Então, se a “Chica da Silva/Tinha outros pretendentes/E obrigou a princesa(Leopoldina)/A se casar com Tira-dentes” isso não é apenas fruto da imaginação.
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