DE VEZ EM QUANDO ACONTECE
Não sei onde li alguma coisa que critica esse negócio de “tá tudo muito bom, tá tudo muito bem” que costuma pairar sobre textos, notícias, reflexões…
Nem sempre conseguimos manter a ternura. Como diz o Chico Buarque, “ tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/a gente estancou de repente/ou foi o mundo então que cresceu…”.
As alternativas escasseiam. A lista de nomes para recorrer transforma-se num papel tigrado seja pelas linhas que são passadas por sobre os itens consultados, seja pela mutação delas para arranhões de raiva. Riscamos com força a folha de papel pois ainda não temos coragem o bastante para flagelar a própria carne. A gente sente, de verdade, que diminuiu. Pior é que fazemos parte da relação de outras pessoas que esperam contar com a nossa ajuda em momentos difíceis. E não podemos fazer nada. Nada!
Se estamos ‘aqui’, “a gente quer ter voz ativa/no nosso destino mandar/mas eis que chega a roda viva/E carrega o destino prá lá …”. Vai o destino, vai a energia de ‘expor o peito à faca e à baioneta’, lembrando a Marina Colasanti. Inoperantes, dependendo de terceiros – que dependem de segundos e esses de primeiros – tentamos estabelecer prioridades, economias e planejar uma ‘saída pela direita’. Pior é que baixa o espírito de Hardy sussurrando ao ouvido um ‘isso não vai dar certo, Lippi’. Aí, a gente silencia. Quer dizer, o silêncio percebe que ninguém manda no pedaço e então se apropria da nossa voz, da nossa angustia de gritar.
Estamos na “roda viva”. “A gente vai contra a corrente/até não poder resistir/na volta do barco é que sente/o quanto deixou de cumprir/faz tempo que a gente cultiva/a mais linda roseira que há/mas eis que chega a roda viva/e carrega a roseira prá lá…”. Então, a gente respira fundo, jura que é uma fase, que isso vai passar. Procura, quando tem, a companhia amada e encosta no seu ombro e suspira. E quando é a companhia amada que está passando por isso e vem em busca do ombro da gente e temos que recolher e fingir que está tudo bem? Tem ainda os parentes, os amigos…
Resistimos enquanto é possível para não voltarmos ao começo. Precisamos ir em frente mesmo que seja apenas por distração. Problemas são um porto inseguro. As nossas forças se esvaem e o barco volta ao sabor de uma onda que joga – e de um vento que sopra – a vontade de uma terra estranha que não quer que atraquemos por lá.
Isto não dá samba. O escritor John Cheever escreveu no seu diário o que ele entendia como ‘última coisa a dizer’: “(…) A literatura sempre foi a salvação dos condenados; a literatura, a literatura inspirou e orientou os apaixonados, derrotou o desespero(…)”.
Cheever pode ter se ‘salvado’ – ou foi ‘inspirado’ e ‘orientado’ – pela literatura. A palavra tem força. É a força. Mas, confessa o compositor carioca, “o samba, a viola, a roseira/que um dia a fogueira queimou/foi tudo ilusão passageira/que a brisa primeira levou…/no peito a saudade cativa/faz força pro tempo parar/mas eis que chega a roda viva/e carrega a saudade prá lá …”. A ‘roda viva’ leva também a força da palavra da gente, a capacidade da gente, a perspectiva da gente.
O mundo não cresceu e a gente não se resolve tão somente pela literatura. Cresceu foi a quantidade de pessoas que se apropriaram de nós – sonhos, planos, ideias, desejos, saberes – e da nossa palavra que já não resolve nada sozinha.
A gente ficou menor e nossa ‘meia palavra’ já não basta. Os bons entendedores estão preocupados em não deixar de se entenderem.
De vez em quando acontece de a gente precisar excluir a palavra ingenuidade do nosso – hoje tão escasso - vocabulário